Ser professor de línguas clássicas
Celebrei o mês passado as minhas «bodas de pérola» (30 anos) com a profissão de professor de línguas clássicas. Pois comecei no ano lectivo de 1988-1989 a minha carreira de professor, na Escola Secundária da Cidade Universitária (Lisboa) a ensinar latim ao 12.º ano.
No ano seguinte (1989-1990), abriu um concurso para assistente estagiário na Faculdade de Letras de Lisboa – e concorri. Acabou aí o meu percurso como professor do secundário, mas devo dizer que foi das melhores experiências da minha vida: tive a sorte de ter alunas e alunos que gostaram logo de mim e eu deles. Acho que consegui vencer a resistência que eles tinham em relação ao latim e consegui passar a mensagem de que aprender as línguas clássicas, ainda que se trate de uma aprendizagem exigente, vale a pena.
Nada substitui a satisfação e o prazer intelectuais de conseguirmos ler Homero, Platão, Vergílio ou Tácito nas línguas em que eles escreveram. E tanto o latim como o grego têm uma vantagem que poucas línguas terão, que é o facto de nos darem a ler, numa linguagem ao mesmo tempo muito acessível e superlativamente bela, os textos mais maravilhosos alguma vez escritos: os quatro Evangelhos. Ler os Evangelhos em grego ou na encantadora tradução de Jerónimo é algo que nos põe bem com a vida. É como respirar fundo.
Nestes trinta anos têm passado pelas minhas aulas todo o tipo de pessoa: desde pessoas muito dotadas para as línguas clássicas (e mesmo algumas sobredotadas, como a Catarina Belo, filha do poeta Ruy Belo, a quem dei 20 a Grego no ano em que ela foi minha aluna, tendo ela conseguido duas vezes a classificação de 20 em testes de grego com texto desconhecido sem dicionário) a pessoas menos dotadas.
Já em aconteceu ter turmas cheias de génios; já me aconteceu ter turmas em que não havia uma única pessoa capaz de dar «uma para a caixa»; já me aconteceu, mais de uma vez, a situação mais difícil de todas, que é ter um «génio» no meio de estudantes menos dotados, o que obriga sempre a uma certa ginástica da parte do professor.
Mas o importante para mim é isto: esteja quem estiver na sala, é sempre um prazer enorme para mim dar uma aula de grego (ou de latim), porque além do meu próprio amor por estas línguas sei que estou a dar a quem está na aula algo de verdadeiramente útil.
É interessante dar aulas de literatura, sem dúvida, e de cultura ou de história; mas nada me dá tanto prazer como explicar pela milionésima vez as consecutivas de ὥστε ou o funcionamento da partícula ἄν. Nunca me canso, nunca me farto: saio sempre de uma aula de grego a sorrir interiormente, a dar graças por ter uma profissão tão fantástica que me assenta como uma luva. Que privilégio.