Sétima Legião na Culturgest: falamos de um tempo presente. E ainda bem

por Romão Rodrigues,    3 Dezembro, 2022
Sétima Legião na Culturgest: falamos de um tempo presente. E ainda bem
Fotografia de Oscar Keys / Unsplash
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Trespassei a soleira da porta 52 minutos antes do concerto. Quer dizer, antes do início previsto para o concerto. Fui o segundo a transpor aquelas barreiras com cordas vermelhas que lembram ócio e luxo, subi a escadaria com o tapete da mesma cor que não queria calcar – pensei em descalçar as sapatilhas pelo facto de ficar extremamente impressionado com o tratamento cuidado e com o reluzir do material – e dirigi-me obviamente à casa de banho. 

Aí, soltei tudo aquilo que me preocupava. Foi mais fácil do que o que esperava. O que interessa é que ficou resolvido. Estava limpo para assistir ao espetáculo de uma das minhas bandas prediletas. 

Dois de dezembro de 2022, Culturgest – Fundação Caixa Geral de Depósitos. Ao contrário do que possam pensar, não se realizou um encontro de banqueiros, bancários e restantes pessoas enfadonhas. Esta raça tem a capacidade para nos fazer desejar estar Tão Só(s). A morte pode não matar, mas o enfado chacina. O antídoto para aniquilar reminiscências doentias passou pela tomada de Sétima Legião. Dez anos depois. 

Uma espécie de entrada tribal siderou o público e entroncou na melodia que marcou o ritmo do Baile (Das Sete Partidas). Rodrigo Leão, viola-baixo do grupo, dedilhou as cordas do instrumento e não existiu feedback da máquina. “Problemas técnicos, são máquinas, não conseguimos controlar. Voltamos daqui a cinco minutos”, justificou Paulo Abelha, o alegre irrequieto. O Canto transformou-se em Gelo por cinco minutos. Na reentrada em palco, inúmeras palmas abraçaram o incidente e os músicos. Ouviu-se um “era melhor terem vindo ontem”. Gabriel Gomes, aniversariante, emanou descontração e generalizou a gargalhada. Podia ter sido pior. 

Bilhete para a segunda fila de um concerto com lugar marcado, atrás de familiares e amigos de Paulo Marinho e de bloco de notas sobre as pernas para gizar um alinhamento a partir do alinhamento verdadeiro. Escolhi-o por ser bem perto dos artistas e para demonstrar a desenvoltura que tenho para, em momentos difíceis, controlar impulsos de fãs tresloucados. Noutro Lugar, teria sido igualmente bom, mas diferente. Ou não. 

A faixa etária mais representada na plateia compreendia idades entre os 50-60 anos. Casais com relações estáveis e sólidas, alguns até com filhos e netos, provavelmente. Sentia-me Sem Ter Quem Amar e isso revelou-se esplêndido, porque tive o prazer de assistir a uma sinfonia com mais do que um maestro. Pedro Oliveira, algo embargado, ainda tem performances mais consistentes, sabiam? 

O mar pertencia a dezembro. E não estávamos Além-Tejo, apesar da presença de um cenário bucólico se erguer a cada música: durante o concerto, por diversas ocasiões, teletransportei-me para a sombra de uma azinheira munido daqueles rádios estilo hip-hop, sob a tutela de uma suave brisa que servia de tempero ao calor insuportável da região. Incontrolavelmente, a Vertigem assombrou aqueles pensamentos puros. 

Francis juntou-se aos navegadores dos Sete Mares, o primeiro ato de efervescência. Sem contenções, a plateia ergueu-se – laivos claros de Deads Poets Society – compôs um uníssono agradável ao tímpano. O último homem – o baterista Nuno Cruz – marcou o compasso de um momento que nem no último suspiro será engavetado. 

Abriu-se (mais) uma Porta ao Sol porque todos se encontravam envoltos na necessidade – e não na obrigação – de lembrar um astro desaparecido: Ricardo Camacho, falecido em 2018. Francisco Menezes e João Eleutério foram chamados a defender o tributo e Porto Santo foi exultado por entre pausas premeditadas e aplausos. Por Quem Não Esqueci foi dedicada ao anjo de Pedro, Inês – existirá similitude com a lenda da dama galega com o príncipe português? – e recuperou a memória deixada pelo madeirense ido. 

Para que conste – e não me sirvo da epígrafe por ser cantada – existem vozes que, de facto, chamam por nós. A da brandura e a do apreço é a ceifeira dos que aqui andam, sobrevivem e perduram. E a melodia, acompanhada pela palavra, compõe a mais bela das formas de sepultura: sem pranto e lamúria, com saudade e Glória. De pé! 

O espaço dedicado à Reconquista da Sétima Legião não conheceu Mil Maneiras de Amar porque não possuía capacidade para tal. O Tango nunca se exilou do público, uma vez que a banda solicitava frequentemente a sua participação. Os agradecimentos e a falsa despedida não convenceram a assistência: o facto de as luzes que incidiam sobre o palco não se apagarem na totalidade contribuiu, em larga escala, para o descrédito. Os aplausos regressaram, os músicos respeitaram o alvoroço e volveram ao ponto de partida. 

Encore em Sete Mares

É preciso descrever novamente? 

(Infelizmente não foi feita recolha de imagens do concerto)

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