“Silvio e os Outros”: Sorrentino mostra como Berlusconi sabe colonizar o outro
Um novo filme de Paolo Sorrentino é já por si só um acontecimento. Sobretudo, desde a sua magnum opus “A Grande Beleza”, que o mundo do cinema presta atenção a obras que tenham o nome dele envolvido. Napolitano, que chegou a estudar Economia, é o realizador italiano de maior destaque na actualidade. Das suas obras podemos esperar personagens em busca de conciliar a felicidade pessoal com as suas ambições de ordem profissional. Outra característica é a beleza da fotografia (da autoria de Luca Bigazzi, o mesmo de “A Grande Beleza”), com planos amplos quase sempre em cenários belos.
O seu mais recente filme tem o título “Sílvio e os Outros”, a nível nacional, enquanto que o título original é apenas “Loro”, que significa “eles” em italiano. Não é só no título que há diferenças. Em Itália, o filme foi comercializado em duas parte, ou seja, “Loro 1” e “Loro 2”, cada um com cerca de 1h40 de duração. A nível internacional, o filme foi distribuído com um corte de 150 minutos, ou seja menos 50 minutos que a soma das partes originais. É sobre esta versão distribuída internacionalmente que a seguinte crítica recai.
Podemos começar por dizer o que “Sílvio e os Outros” não é: um biografia de Berlusconi, um filme sobre política italiana neste período, um elogio ou um crítica feroz ao famoso politico italiano. O que Sorrentino fez foi um seguimento da sua obra, juntando a Berlusconi algumas personagens inventadas. O interesse por políticos italianos não vem de agora, em 2008 lançou “Il Divo”, um filme sobre Giulio Andreotti que foi primeiro-ministro italiano por 7 vezes, interpretado pelo actor Toni Servillo fiel companheiro de Sorrentino, que agora interpretou Berlusconi também.
O filme começa com a introdução de Sergio Morra, detentor de um cartel de prostitutas, que está a tentar chegar longe com o seu negócio, tendo mesmo como objectivo chegar ao poder, leia-se chegar a Berlusconi. Durante a primeira parte do filme, assistimos a várias cenas de dança e de exibição das qualidades das suas prostitutas. Largos minutos, talvez em demasia, mostram o banal, ridículo e vazio de tantas vidas. Sergio Morra e as suas prostitutas tem mais algumas cenas que parecem inspiradas nas festas de “O Lobo de Wall Street” de Martin Scorsese, um dos cineastas que mais inspira Sorrentino.
É então que um Berlusconi que percebe muito de plantas, ou pelo menos é capaz de convencer-nos de que sim, que gosta de cantar começa a ser apresentado. Envolto numa crise após perder umas eleições, não consegue dar-se por perdido e busca uma estratégia para voltar ao poder. Então percebe que para deitar o actual governo abaixo precisa de virar 6 senadores do partido vencedor a seu favor. Um a um, vamos conhecendo as enormes capacidades de persuasão de Silvio. Convida estes para visitarem a sua mansão e entre problemas de dinheiro ou de famílias que buscam emprego, Berlusconi encontra um ponto fraco a partir do qual tentará convencer os senados oferendo favores para esses problemas. Sorrentino mostra um Silvio mais humano, com uma capacidade gritante de conseguir convencer as pessoas, obsessivo por mulheres e muito orgulhoso dos seus feitos. Considera-se o grande italiano começado do zero. Outro assunto importante é a relação dele com a sua segunda mulher Verónica, sempre por casa em leituras ou buscas culturais. Aliás, ela gosta muito de ler Saramago, aparece mesmo a ler “O Homem Duplicado”. E diz mesmo a Berlusconi: “ele diz mal de ti!”. Quando Berlusconi está a negociar um jogador para o seu AC Milan, Verónica e o jogador trocam elogios ao “Ensaio sobre a cegueira”. Sempre muito crítica para com ele, os momentos de tensão entre Verónica e Berlusconi são alguns dos momentos altos do filme.
O filme é também mais uma continuação do retrato que Sorrentino costuma fazer de Itália como um país de beleza, criatividade e fantasia, mas em decadência. Sorrentino em entrevistas disse que o filme não era nem a favor, nem contra Silvio Berlusconi, mas é perceptível que durante o filme, o objectivo da personagem é de ajudar a si mesmo em primeiro lugar e não propriamente à Itália. Poderá argumentar que isto não é uma crítica mas sim um retrato de características reais.
No final, fica a sensação de um filme incompleto que podia ter extraído muito mais de uma personagem tão rica. O filme não segue uma estrutura em particular, dentro da qual se vá antecipando um certo desfecho, é antes uma deambulação pela mente do politico italiano. Ficam as cenas de mestre nas quais Berlusconi mostra saber “o guião da vida”, ou em outras palavras, como obter o que quer com a sua capacidade de convencer, uma qualidade que de resto José Saramago considerava uma falta de respeito por constituir “a tentativa de colonização do outro”.