‘Singularity’: Jon Hopkins e as odisseias da emoção
Tudo se cria, e tudo se transforma – esta certeza serve-nos de ponto de partida para a audição do novo álbum de Jon Hopkins, Singularity. Começa a música, fechamos os olhos, e partimos para outra dimensão do sentir, como se passássemos a ser parte integrante das próprias cordas e sintetizadores que habitam a sua sonoridade. Aterramos na bela paisagem sonora que constitui o quinto álbum de estúdio de Hopkins, há muito esperado.
É-nos logo dado a entender, desde a primeira música, que vamos ser embalados pelos ritmos do baixo, pela afinação da voz, pelas batidas marcantes que povoam cada compasso. As guitarras também elevam a sua presença, e fundem-se nos ritmos acelerados e misteriosos. Hopkins ultrapassa as expectativas; e o mais impressionante é assistirmos, talvez pela primeira vez, a uma mudança no seu estilo de composição. Singularity traz consigo uma evolução da compostura dos acordes, passando de um paradigma cerebral para o intuitivo.
Para melhor entendermos o álbum há que desconstruir as músicas que o compõem. A primeira, que dá nome ao trabalho, sugere um cenário de fusão entre compassos e velocidades, ambiente que o ouvinte vai habitar. A repetição marca um estado próximo do conforto, e mostra-nos um caminho oscilante que nos sugere uma história. Depois de ambientados a estas composições sónicas, chega-nos ‘Emerald Rush’. Hopkins expõe imediatamente a excelência dos seus beats, tornando-a na música mais cinematográfica do LP. Expressa um sentir delicado e intenso, com um ritmo que se apressa e atrasa, como se fosse importante olhar para o redor, ver, presenciar, e por fim respirar. A importância das texturas sonoras dissolve-se num ritmo íntimo que, mais tarde, se transforma em algo coerente e robusto. Nunca nos deixa; acompanha a nossa jornada, e quando menos esperamos surge a voz, que une tudo o que ficou por explicar. Uma voz que soa ao de leve, como vento, que dança e casa tão bem com a melodia.
Estes beats também aparecem em ‘Neon Pattern Drum’. A secção inicial propõe-nos um cenário de noite estrelada, o silêncio, o mistério, numa melodia que sinaliza o horizonte. Primeiro por meio de um ritmo elegante, que se modifica por uma via mais simples, e que só quase no final volta a acrescentar uma ideia de mistério – insistindo num corpo dançante e numa mente aérea. ‘Everything Is Connected’ aponta também para a sola dos sapatos, num ritmo acelerado, com uma composição dinâmica e jovial, transmitindo esperança num louvável crescente dramático.
Em ‘Feel First Live’ entramos num filme triste, numa peça que fala de lucidez e da sua falta, de sentir aquilo que não sabemos descrever. A voz, em coro, cristaliza esta noção de identificação e reconhecimento. É a música do álbum que mais sugere esta santidade, como se algo transcendental tivesse acontecido. Observamos uma mudança de ritmo, de composição e de construção, contrastante com as restantes faixas.
Uma das melodias mais generosas surge em ‘C O S M’. A sua beleza destaca os mais pequenos pormenores do som, sob um ritmo grandioso, numa comunhão entre o homem e os seus afectos. ‘Echo Dissolve’ começa ao som do piano, que nos sugere sensatez, num incrível do poder da simplicidade. Quase por último ‘Luminous Beings’ é um passeio nocturno pela cidade, entre as luzes e o movimento, ritmada, garrida e alegre. Tudo para chegarmos a ‘Recovery’ que nos fala de introspecção, numa atmosfera calma e lenta que nos rodeia. Somos já as nuvens que passam, de escuro para claro; somos um crescer de compreensão, somos cada nota do piano.
Singularity encontra-se na mesma frequência de ‘Immunity’, o anterior álbum de Hopkins. Cresce em nós a curiosidade pelo processo criativo do músico, que cria álbuns tão generosos, conceptuais e estéticos. A sua música tem a dose perfeita de tensão e libertação, consegue neste LP descobrir o espaço em que habita e ficar no tempo. A batida marca-se com os pés, mas na realidade fica na mente. A sua mestria é surpreendente, na junção sublime da técnica com a estética.
Assistimos constantemente à mudança de acordes, e com eles parece que muda também a nossa autoconsciência, como se cada melodia transpirasse sabedoria e profundidade. Viajamos pelas diferentes texturas sonoras do sentir e do ser. E mesmo diante da diversidade de cada música, Hopkins insiste num equilíbrio sóbrio e coerente. A persistência dos graves intensos, dos kicks detalhados, e toda a sua lógica mental, resulta de um grande trabalho de design sonoro que esboça uma experiência única.
Todo o álbum é uma longa-metragem que funciona bem, tratando uma narrativa nítida, onde todos os elementos têm o seu papel; tudo se conecta e comunica entre si, de dentro para fora. Hopkins consegue levar-nos nesta odisseia, que nos transcende e nos hipnotiza. Impossível não destacar a variedade rítmica e sentimental, entre a alegria e a tristeza, a superficialidade e as profundezas; somos pensantes e dançáveis, somos tudo, temos tudo. A coragem de ser – eis o que mais nos apraz no trabalho de Hopkins. Somos incentivados a sentir, por entre a grande abundância de melodias e harmonias que nos acompanham.