‘Slender Man’ ou como um mito bem criado se torna num filme aborrecido
Para quem não sabe, “Slender Man” (ou “Slenderman”, se preferirem) apareceu em 2009, na internet, quando num fórum chamado “Something Awful”, um user criou um boneco num concurso de Photoshop de imagens sobre o paranormal. Nessas imagens, crianças eram acompanhadas de um homem de fato, alto, muito magro, sem expressão e com os braços compridos, como se fossem ramificações. Imaginem um “homem do fraque” mais assustador e é quase isso. As fotos eram acompanhadas de descrições que lhe atribuíam algum realismo, algum background e, com isso, uma atmosfera única e intrigante. Basicamente tudo o que o filme sobre esta personagem foi incapaz de transmitir.
As cassetes deram aos filmes de terror todo um amplo espaço criativo. Tivemos o found footage, que nos traz logo à cabeça o divisório e maldito “Cannibal Holocaust”, que anos mais tarde, já nos anos 2000, iria dar fulgor a obras como “The Blair Witch Project”, “REC”, “Cloverfield” ou o mais recente mas também apreciável “The Visit” e, ao mesmo tempo, filmes como Ringu, que mais tarde resultou na excelente adaptação “The Ring” e onde a narrativa nasce do encontro com uma cassete de vídeo amaldiçoada. É mais perto deste último tipo de filmes (com uma pitada de Freddy Krueger) que “Slender Man” se encontra, mas com uma ligeira mudança. Baseado no mito criado através da internet, é num filme aí visto que tudo começa.
A internet e as novas tecnologias são um novo mundo a explorar neste género de filmes, assim como as chamadas de telefone nestes filmes evoluíram da simples chamada clássica em filmes como “Scream”, até à chamada por Skype, como no mais recente “Unfriended”, por exemplo. Se juntarmos a isso o facto de em 2014 duas crianças (depois internadas) terem esfaqueado uma outra sob o pretexto de agradarem ao “Slender Man” (a lembrar um pouco como Marilyn foi “culpado” pelo tiroteio de Columbine) depois de terem descoberto a sua história e as possibilidades criativas estavam todas à mão da imaginação do realizador Sylvain White e do guionista David Birke. Mas foi como meter os melhores ingredientes à frente de quem não sabe cozinhar. Continuando a comparação, não há nada pior que um filme de terror sem qualquer “sal”, ao contrário da personagem que lhe deu origem, e que fez surgir um mito que se propagou por toda a internet, conquistando-a ao ponto de ter dado a origem a vídeos e jogos de computador.
De um guião simplista, facilitista e trapalhão surge uma stayover de quatro amigas (sem muito em comum) adolescentes, onde se fala de rapazes giros e se vê porno ao mesmo tempo onde se aborda o problema de alcoolismo do progenitor da anfitriã (a única personagem que à partida parecia ter alguma profundidade psicológica e que, talvez por isso, não dura muito). Nessa stay,onde se comenta que os rapazes iriam invocar o Slender Man, e depois de se explicar que quem vê um vídeo desaparece ou é atormentando, acha-se que o mais lógico é obviamente assistir ao mesmo, onde depois de um ritual o Slender Man é invocado. Uma mini pesquisa no Google e o vídeo, que podia muito bem ser um videoclipe dos Tool (para quando o álbum, Maynard!?) cruzado com “Un Chien Andalou” – como de resto refere e bem Owen Gleiberman à Variety -, está lá, à mão de semear. A partir daí tudo acontece como esperado. Não há novidade nenhuma, não há nada de novo e há muita coisa mal ou, pelo menos, absolutamente banal.
As passagens de tempo dadas pelo acelerar das nuvens numa atmosfera sempre acinzentada estão lá. As cenas oníricas também estão lá. Os delírios também estão lá. A chamada por vídeo que resulta num “confronto directo” com o monstro também. Vermos o Slender Man a aparecer na cara de outra pessoa? Também. Os testemunhos por toda a internet de outros casos, através de fotografias e vídeos amadores inexplicáveis também estão lá, para dar algum “corpo” à coisa, assim como a paranóia dos que cá ficam. É unicamente nesse ponto que reside uma das poucas coisas positivas do filme, a personagem interpretada por Joey King (pena Annalise Basso não ter tido tempo para se tornar relevante em termos de interpretação), que a mesma “leva às costas”, mesmo com frases como “He gets in your head like a computer virus!”.
Trata-se, portanto, de um filme plenamente convencional dentro do género, com os ingredientes que todos esperamos que tenha e que por isso mesmo se torna tremendamente dispensável, o que é uma pena, devido à figura que retrata. “Slender Man” é o mistério, é uma figura arrepiante que merece bem mais que aparecer aleatoriamente em acções insossas e que desformatam aquilo que é a sua imagem – um dos seus pontos fortes. É de levar as mãos aos olhos, não porque meta algum medo, mas porque já sabemos o que vai acontecer a seguir. O que não conseguimos – e ainda bem – é prever quanto mais material criado num qualquer fórum de internet ou numa thread por aí escondida poderá originar algo como este fenómeno que gerou o filme. E é esse espaço criativo que surgiu nos últimos vários anos que é de realçar, já que a obra a que ele deu origem é para esquecer.