Só o presente não chega
Esta crónica faz parte da rubrica ‘És como um pai para mim‘
Existe um determinado tipo de pessoas que passa a vida a queixar-se de um outro determinado tipo de pessoas, ou seja, isto é simplesmente a vida como ela é. E deve ser observado e sentido da forma mais natural possível (e sempre que possível).
Estou aqui a escrever-vos sobre os hipsters, retros, vintages: os “apaixonados pela ideia de passado”. São estes indivíduos que nos vão salvando as tradições, a identidade e recuperam a história das coisas, a memória do que somos.
Há inclusive quem faça negócio com esta ideia de se estar apaixonado pelo passado. E isso é tão plausível como o negócio feito por pessoas que se apegam ao último modelo tech que saiu anteontem. Todos nós precisamos de signos (sinais ou símbolos) para construir a nossa narrativa pessoal, tal e qual como acontece no cinema, quando um determinado elemento faz a ponte visual ou sonora na história (na memória).
Todos nós temos recordações das melhores e piores coisas da nossa infância e essa ideia é uma grande bolha cheia de imaginação que protege essas memórias. Quem é que já não reviu coisas do passado e não se sentiu enganado pela própria ideia que tinha de um determinado filme/série? Essas recordações pertencem a um lugar muito próprio e muito pessoal.
Portanto, quem se quer queixar da lógica hipster, retro ou vintage que o faça agora, enquanto pode, em breve o tempo irá vergar um a um até que chegue um novo “não hipster”, “não retro” ou “não vintage” que lhe aponte o dedo e lhe chame “és um apaixonado pela tua ideia de passado”.
Nota1: este fim-de-semana, ao ler o jornal Expresso, dei de caras com um artigo sobre turismo onde o jornalista João Miguel Salvador escrevia que “Hoje os europeus são mais de cada local que visitam (…) numa altura em que o turismo representa 7% das exportações à escala mundial e 10% do PIB global, a tendência é que cada vez conheçamos melhor a cultura do outro e que esta seja também a nossa.”
Esta ideia de futuro já se vive em algumas grandes cidades mundiais como é o caso de Nova Iorque, a cidade mais europeia dos EUA e a cidade menos americana dos EUA. Portanto, temos de nos reeducar para de alguma forma preservamos quem somos, para darmos a conhecer o que somos e o que fomos.
Nota2: Três ideias de passado que devem ser sempre recuperadas:
‘Comizi d’amore‘ (1964), filme realizado por Pier Paolo Pasolini (vê aqui)
‘As Armas e o Povo‘ (1975), um filme colectivo realizado e produzido pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica (vê aqui)
‘Non, ou A Vã Glória de Mandar‘ (1990), filme realizado por Manoel de Oliveira (vê aqui)