Soen, e um RCA rendido à música progressiva
Foi quase como um relógio que o concerto da banda finlandesa Wheel começou. Pouco passava das 21h30 quando os primeiros acordes se fizeram ouvir. Antes, e de uma forma ordeira, o RCA foi enchendo para o que todos já sabíamos ser uma grande noite de música. Uma vez que já era conhecido que o espetáculo estaria esgotado e tendo em conta a hora de início do mesmo, foi sem surpresa que o quarteto finlandês atuou para uma plateia praticamente (se não completamente) composta.
De capuz na cabeça os 4 membros dos Wheel apresentaram um rock progressivo com alguns (muitos e bons) momentos de metal. Muito enquadrados em termos musicais no que é Soen, podemos dizer que foi uma agradável surpresa perceber que consistentemente continuam a aparecer bandas capazes de música dinâmica, energética e com qualidade.
À medida que as músicas se sucediam todos os membros da banda foram retirando o seu capuz mostrando assim as suas caras, que juntamente com o jogo de luzes a variar entre o azul escuro e cor de rosa criaram um ambiente intrigante que combinou muito bem com a própria música da banda.
Passados trinta minutos de concerto a banda encerrou a sua performance perante um público rendido, tal a qualidade da sua prestação.
Quinze ou vinte minutos de pausa foram suficientes para que o público, que agora já enchia completamente o RCA, fosse presenteado com a segunda banda da noite.
Os Ghost Iris, de origem dinamarquesa, subiram a palco para apresentarem o seu metalcore progressivo, completamente dedicado a roubar todas as atenções. Com uma sonoridade muito pesada, breakdowns fulminantes e constantes polirrítmicos, a banda desafiou qualquer fã a questionar o conceito de headbanging tal a dificuldade de realizar esta proeza dentro do tempo e ritmo que a banda impunha.
Alternando entre os growls e a voz limpa a banda criou várias camadas de melodia que, como é comum no género metalcore, colocavam o público tanto a tentar cantar as melodias dos refrões como com vontade de fazer mosh ou stage diving. Este último de facto aconteceu quando, um dos guitarristas, se lançou para o público tendo sido levado até ao meio da plateia e de volta ao palco num dos pontos altos do espetáculo, tendo sido esse talvez o momento que a banda agarrou definitivamente o público, uma vez que o género musical, dentro do contexto dos headliners, destoava um bocadinho do estado de espírito das pessoas que estavam presentes.
Goste-se ou não da música (que era boa e com muita qualidade para o género) os Ghost Iris não deixaram ninguém indiferente e acabaram debaixo de uma grande salva de palmas tal a sua entrega ao espetáculo.
A pontualidade foi uma constante e pouco depois das vinte e três horas, uma música de Frank Sinatra começou a soar no PA dando a entender que estava quase a começar o concerto mais antecipado da noite.
Praticamente um ano e meio depois da sua prestação de apresentação do álbum Lykaia, Soen voltaram a subir ao RCA abrindo as hostes com “Covenant” do novo álbum Lotus e instantaneamente se percebeu que a banda regressou “a casa”. Exímios intérpretes e monstros de palco, a prestação foi constantemente hipnótica ao longo da noite. Comandados pela voz barítona e sem falhas de Joel Ekelöf, o ritmo frenético de Martin Lopez e Stefan Stenberg (bateria e baixo respectivamente), bem como a dinâmica mestria de Cody Ford nas guitarras e o multi instrumentalismo de Lars Åhlund, Soen agarraram o público e não o mais largaram a noite toda. Músicas como “Jinn”, “Opal”, “Lucidity” e “Sectarian” representaram momentos em que a moldura humana presente no concerto tornou o espetáculo ainda bonito cantando do princípio ao fim e em certos momentos abafando completamente a voz de Joel.
Olhando para a setlist facilmente percebemos que a banda apresentou um concerto de um equilíbrio perfeito com as melhores músicas de Lotus: “Covenant”, “Rival”, “Lascivious”, “Opponent”, “Martyrs” e “Lotus”; e grandes músicas da discografia passada tais como “Tabula Rasa” do álbum Tellurian; “Jinn”, “Lucidity” e “Sectarian” do genial Lykaia; e ainda as surpreendentes inclusões de “Slithering” e “Savia” do primeiro álbum Cognitive.
Como tivemos a oportunidade de saber através da nossa entrevista com o Martin e Stefan desde o último concerto em Portugal a banda teve que substituir o seu guitarrista e a solução foi encontrada em Cody Ford e em todas as músicas este mostrou a razão da sua escolha. Com um tom de guitarra a roçar o perfeito e execução à nota das músicas novas e antigas, o guitarrista protagonizou vários momentos de relevo tanto mostrando uma técnica impressionante como simplicidade e beleza na execução das partes mais sensíveis.
Secção rítmica ficou a cargo de Martin Lopez e Stefan Stenberg, e como esperado não desiludiu. A definição de música progressiva passa por estruturas de músicas complexas, com compassos e tempos pouco comuns na música mais “comercial” e o peso de tal composição recai sobretudo na secção rítmica e aí encontramos em Martin Lopez um dos melhores executantes de sempre, não tivesse ele feito parte dos chamados “anos dourados” do death metal progressivo de Opeth. Já Stefen Stenberg é a junção perfeita entre ritmo e melodia e quem se lembra de ver a música “Lascivious” sabe perfeitamente do que estamos a falar.
Lars Åhlund é o multi-instrumentalista do grupo. Alternando a sua prestação entre segunda guitarra e teclas, Lars sabe perfeitamente interpretar o seu papel na banda. Mais presente em termos musicais neste último álbum, com uma maior proeminência do uso das teclas, podemos ouvir as maravilhosas camadas bem misturadas no PA, mas quando ele assumia um papel mais “secundário” da segunda guitarra, Lars aproveitava esse momento para interagir com o público e divertir-se, sempre segurando devidamente as cordas da guitarra ritmo.
Falar de Soen é falar invariavelmente de Joel Ekelöf. Sempre olhando nos olhos dos fãs, Joel é um autêntico frontman. Carismático na sua forma de cantar e seguro de si, é daqueles vocalistas que invariavelmente e sem grandes artifícios consegue manter toda a atenção do público concentrada em si, acrescendo também o facto de possuir uma grande voz e um fantástico controlo da mesma. Ouvir o álbum e o concerto na voz de Joel é como ouvir a mesma interpretação, e isso, para um vocalista que provavelmente canta em tour cinco de sete noites, é um feito que requer muita dedicação (descanso e atenção à voz entre concertos) e técnica.
Foi de coração cheio e voz rouca que saímos deste concerto e com a vontade e certeza de que daqui a uns tempos (provavelmente com um novo álbum) iremos estar de volta. Aproveitamos também para dar uma grande palavra de apoio e agradecimento à Free Music Events por manter a aposta na divulgação da música progressiva em Portugal. Sabemos que hoje em dia é um risco, mas parece-nos que estão a fazê-lo de uma maneira fantástica, e nós, tal como milhares de fãs, cá estaremos para aproveitar esse trabalho.
Texto de Pedro Piedade