Sofar Sounds Lisboa: o ano começa em grande
Sofar Sounds Lisboa é, definitivamente, o evento de música mais original da cidade de Lisboa. Bem, não quero ser injusta com outras iniciativas bastante originais que ocorrem em casas particulares e em locais imprevistos. Mas o Sofar Sounds rapidamente se tornou naquele evento que todos querem ir. Os registos para a guestlist são mais que muitos, e muitos de nós ainda não tiveram a sorte de serem “convidados”. No entanto, a organização diz que tentarão chegar a todos, mais evento menos evento. Assim esperamos.
A “Bandida do Pomar”, uma nova cidra lançada no mercado, fez as honras da casa. As “maçãs” envolvidas numa garrafa ou puramente para roer fizeram-nos sorrir depois de longos minutos de espera. O público, diversificado na estrutura etária e em nacionalidades, acomodou-se em cima dos tapetes que filtravam o frio da pedra da Oficina “Volta” no 1º andar do Edifício i da Lx Factory. Mesmo não sabendo o que iriamos ver e ouvir, duas coisas sabiamos, seria emergente e de muita qualidade.
Seguida das boas-vindas amistosas, e que nos fizeram sentir como convidados especiais, foi anunciada a primeira banda daquele início de noite de domingo, os lisboetas Capitão Capitão. Com um EP lançado em Outubro último 32, J.P. Mendes (voz e guitarra) e José Guilherme (teclas) ofereceram-nos 5 temas mergulhados numa beleza nostálgica. Letras trabalhadas que acompanham os arranjos e nos fizeram ver melhor a lua que subia por detrás da Ponte 25 de Abril. “Náufrago”, “Sessenta e quatro” o single de lançamento do EP. Uma cartolina preta tapava a abertura da guitarra acústica, provocando um som mais seco e puro, originando assim aquela que para J.P. é uma “balada triste”. Momentos de breve descontração, onde a piada da noite saiu do próprio J.P. “So far so good!” “A Faca”, o “Grande mentiroso” e a finalizar, porque ainda iriam tocar mais 3 bandas, “Volta”.
Um pequeno intervalo para esticar as pernas, mexer o pé dormente, comer uma maçã e dar dois dedos de conversa com os amigos. Troca de instrumentos, de músicos e de registo. Foi a vez dos Namari, uma banda de sol e mar, alegria e beijos repenicados. Uma brasileira e quatro transmontanos (Torre de Moncorvo) invadiram de boa disposição a sala do Sofar Sounds. A energia de Mariane Reis e a doce melodia da sua voz contagiaram a banda, Bernardo Silva e Tico (guitarras), Ricardo Pereira (bateria), Sérgio (baixo). O ritmo de samba intrincado na pop e na música ligeira culminavam num abanar de anca e nas palmas ritmadas. Temas arejados que disfarçavam as letras deliciosamente banais dos momentos rotineiros do dia-a-dia de qualquer um.“Bolacha Maria”, “Do avesso”, Descalço”, “Preguiça” e “Valentim” que gravaram para o YouTube.
Uma última pausa, e conseguíamos ver alguns vinis e CDs dentro de caixas em cima de uma bancada improvisada, colocados subtilmente na distracção do samba. Num cartaz colado à pressa, conseguíamos ler “Ophélia”. Os estrondosos barcelenses Indignu iriam fechar a 31ª sessão do Sofar Sounds Lisboa! Possivelmente algumas pessoas do público iriam ter Indignu em dose dupla, pois os mesmos actuaram a noite anterior no Musicbox em Lisboa. Não foi o meu caso. O sexteto orquestral (aqui em quinteto) que se intitula post-rock, alternativa/instrumental, lançou o seu terceiro álbum de originais em 2016, Ophélia, depois do sucesso da ópera-rock Odysseia (2013,CD Livro) que percorreu o país e esteve nalguns países europeus. Os Indignu não são juniores nestas lides pois o seu primeiro álbum foi lançado em 2010, Fetus in fetu. Afonso Dorido (guitarra), Graça Carvalho e Helena Silva (violino e synth), Jimmy Moom (guitarra, metalofone, baixo), Paulo Miranda (bateria) e Mateus Nogueira (piano, guitarra e baixo), compõem atmosferas celestiais. A guitarra de Afonso, maestrina exigente que toma o rumo da complexidade harmoniosa de cada tema. “Jerusalém”, enfeitada pelas cordas do violino, “Santa Helena” um agradecimento fugaz da devoção. “Chovem pedras de fogo do céu”, acordes intensamente belos que rebentaram os meus sacos lacrimais. Depois de um respirar profundo, os Indignu anunciaram a última música e lá ficámos outra vez com aquela dor no meio da garganta que não deixa entrar o ar. Entre a ovação das palmas, um desejo de “só mais uma”, um tal que foi realizado.
E assim ficámos, pendurados nas luzes daquela ponte que atravessa o leito do Tejo. O Sofar Sounds Lisboa terá mais um congénere, esta na cidade virada ao Mondego, Coimbra e com datas ainda por revelar. Pela capital, e já no dia 22 de Janeiro, há mais uma sessão de Sofar Sounds (estejam atentos) e logo a seguir, dia 26, a organização presentear-nos-á com uma sessão especial. A começar assim, 2017 será certamente um ano em grande.
Fotografia: Salomé Reis/ Sofar Sounds Lisboa