‘Son of Daedalus’, estreia de Inês Pimenta, não se fica pelo Sol e sobe até às estrelas
Na música, assim como nas artes em geral, existem diversos patamares que separam não só estilos, mas também géneros. Quando falamos de jazz, bossa nova ou rock, vem-nos imediatamente à cabeça uma panóplia de sonoridades baseadas na nossa própria experiência. Do ponto de vista pessoal é interessante fazermos essa reflexão: qual é o primeiro artista que nos surge na cabeça quando pensamos em jazz? Essa combinação entre imagem/estilo musical representa não só o nosso gosto, mas também a nossa memória e principalmente a nossa própria vivência. Quem é que nos mostrou esse artista? Em que altura da nossa vida? Foi uma situação aleatória ou propositada? Independentemente da resposta, o que é facto é que esse artista criou o seu lugar na nossa memória e, por consequência, na eternidade, pois enquanto a nossa memória existir, esse artista irá também existir. Pois bem, Inês Pimenta é o tipo de artista que, se fosse referência de um estilo musical, significaria que esse estilo estaria de excelente saúde.
Há sempre muito mais por detrás do véu que o artista coloca à sua frente. Por vezes vemos capas de álbuns, letras, fotografias, toda uma produção designada para acompanhar o lançamento de um álbum. Em Inês Pimenta vemos vários músicos. Em nenhum momento a artista canaliza toda a atenção para si. Há um certo cuidado em demonstrar mais do que o que conseguimos ver através do véu e esse mesmo detalhe simboliza a diferença.
Son of Daedalus é o primeiro lançamento da artista e da sua maravilhosa banda. Além de explorar o virtuosismo de cada elemento deste todo, o EP explora também duas interessantes componentes: a língua e os diversos estilos musicais. Nestas quatro faixas há espaço para um grito de afirmação. Esse grito, de forma tão natural quanto o bater de um coração, reflecte-se no domínio da língua inglesa e portuguesa por parte de Inês. Essa linguagem é transposta também para o piano, outra que a artista domina em absoluto. Cantar em inglês ou português exige um domínio vocal abrangente, pois estamos perante duas línguas com sons próprios e fonéticas distintas.
Este grito de afirmação acarreta também consigo os diversos instrumentos que compõem as faixas. Há espaço para o jazz, para a bossa nova, para o rock, para o experimentalismo de todos os artistas; mas também para a criação. É que, quando alcançamos o final desta curta viagem, sentimos que aprendemos algo. Aprendemos que estilos musicais não se prendem num álbum, por vezes respiram por si próprios e evoluem para algo mais.
“Ícaro”, “Sem Pressa”, “Tez” e “Prata” são as quatro faixas que compõem este belíssimo trabalho. Embora a sua génese seja sem dúvida o jazz, o resultado final é de uma complexidade que vai além dos estilos. Son of Daedalus é, sem qualquer dúvida, um dos melhores trabalhos do ano em Portugal. O tom melancólico da voz de Inês reflecte uma certa identidade portuguesa, com um misto de identidade de cantautora com bossa nova brasileira, mas que no seu resultado final ultrapassa fronteiras da tradição portuguesa. Depois existem Vasco Pimentel, Tiago Martins, Natanael Paulino e João Carreiro, os quatro músicos que acompanham Inês ao vivo e prolongam o seu talento.
Há uma certa tristeza na voz de Inês, muito própria do país que “inventou” a saudade ou criou o Fado. Essa tristeza, contudo, não pode ser conotada com um sentimento negativo, mas sim com algo mais melancólico e imaginativo, como se estivéssemos de regresso à casa da avó, aquele local onde sempre nos sentimos seguros, mas que o tempo levou sem nos perguntar se já era tempo de ir.