SonicBlast Moledo: uma viagem entre o rock lento e o psicadelismo cósmico
O dia foi de Black Bombaim e a noite gritou por eles
Quando os compassos lentos das baterias se juntam às guitarras distorcidas e aos baixos tonificados, estão criadas as bases para uma malha de stoner rock. Um estilo capaz de causar uma jarda arrebatadora, como se nos estivessem a pontapear a cabeça a cada nota. O SonicBlast proporciona dois dias disto, o que visto de cima são milhares de cabeças que se agitam ao mesmo tempo; na maioria das vezes, muito lentamente. Um ambiente arrepiante, onde se respira comunidade em torno da música. Moledo do Minho já é a capital do stoner rock nacional. O primeiro dia oferece-nos Black Bombaim, Kikagaku Moyo, Monolord, Elder, The Cosmic Dead, entre outros.
Os rapazes de Alcobaça subem ao Palco Piscina debaixo de um sol quente e já se adivinhava uma performance que ia fazer inveja às temperaturas altas. Entre riffs e batidas certas, os “bons rapazes” voltam a mostrar o porquê de nunca cansarem o público dos seus concertos frenéticos e a transpirar a rock ‘n roll.
A fechar o Palco Piscina no primeiro dia do festival, uma das bandas portuguesas mais acarinhadas. O público deixou os mergulhos de lado para se levar pela sonoridade tão singular do grupo de Barcelos. A sintonia em palco alonga-se ao público, embalado num cenário utópico e pela sonoridade cativante numa sintonia belíssima.
Enquanto o cheiro das bifanas e dos cachorros se faz sentir junto à entrada do recinto, lá dentro já actuam os Kikagaku Moyo. A banda japonesa volta a Portugal para explodir com Moledo do Minho, as vibrações exóticas carregadas por uma sítara confundem-se com os acordes sujos e repletos de fuzz. Arrastam-se ao ritmo do kraut e space rock, não esquecendo o psicadelismo que declaram em cada nota.
Se existisse algum tipo de artilharia pesada na cena musical, essa seria certamente utilizada pelos Monolord. O trio sueco encara a multidão com seriedade, levando-a a passear por um amontoado de riffs pesados e lentos, como manda a lei. Sem grandes interacções verbais com a plateia, os Monolord chegam ao fim pela mão de “Empress Raising”, a malha mais aplaudida de todo o alinhamento.
O nome grande da noite está guardado para os Elder, uma estreia absoluta em território nacional. Levam onze anos de estrada e sete álbuns de estúdio editados, a banda norte-americana sobe ao palco do SonicBlast com uma única ideia na cabeça: partir o resto da casa. Embora, não seja apreciado por vários fãs de stoner, a verdade é que os Elder provam ser já uma instituição do género. Movidos por um stoner rock mais melódico do que estamos habituados em Moledo do Minho, os Elder conseguem cativar muitos fãs. O headbang intensifica-se com o decorrer das faixas, e as guitarras multiplicam-se entre harmonias bonitas e riffs bélicos. Nick Di Salvo não quer poupar a voz, ainda assim, são muitos os que cantam as letras do quarteto norte-americano. No final, “Compendium” faz estremecer o chão, o coro é unânime e elevam-se as vozes para alcançar o volume da banda, numa despedida que já era expectável.
Uma série de eventos inoportunos levou a banda a chegar a Moledo apenas vinte minutos antes de subir ao palco. Enquanto fazem um breve soundcheck pedem desculpa ao público e explicam que a guitarra iria ser substituída pelo sintetizador, uma vez que alguns dos seus instrumentos se perderam durante a viagem. Ausentam-se por uns breves momentos para, segundo a banda, decidir com que iriam presentear o público e quando subiram ao palco aquilo que tanto se antecipou aconteceu: uma explosão massiva de psicadelismo, rock e muita, muita energia para aguçar o apetite para o dia seguinte. Agradecem aos Monolord, aos Elder e aos Black Bombaim, “se não fossem eles não conseguiamos estar aqui a tocar.” O nome da banda barcelense acabou por ser várias vezes repetida pelos berros de James T McKay que certamente, se fizeram ecoar pelo Minho inteiro.
Da piscina para os rojões e os Acid King são para a vida
O dia começa cedo em Moledo do Minho, o calor é mais que muito e o passo acelera-se até à piscina. São quase duas da tarde e os Vinnum Sabbathi preparam-se para subir ao Palco Piscina. Esta banda mexicana suscita muita curiosidade: são jovens e o nome que lhes dá forma nasce de uma malha dos Electric Wizard. Lançam-se por um mar de vozes sampladas e guitarras que se afogam nas afinações graves. A bateria arrasta-se lentamente, tocada por um baterista bruto, que não perdoa a tarola e os pratos. No final, têm direito a um longo aplauso, com bandeira do México ao alto perdida entre o sol e a plateia. Deu para sorrir e abrir apetite para os ‘nossos’ Löbo.
Entram em palco, tal como vão sair, sem dizer nada. Atiram-se à guitarra, à bateria e aos sintetizadores. O alinhamento é o de sempre: o EP “Alma” de 2009, tocado na íntegra. O único trabalho lançado pela banda vai sobrevivendo e continua a fazer com que ninguém se esqueça deles, oito anos depois. Está demasiado sol para uma sonoridade tão obscura e carregada de electricidade, no entanto, muitos curiosos para os ver, principalmente, entre os espanhóis presentes no festival.
Terminado o concerto dos Löbo e a fome leva-nos até ao clássico café Sargaceiro, bem no coração de Moledo do Minho. Um prato de rojões, doses de batatas fritas, ‘finos’ e umas taças de vinho tinto são suficientes para forrar o estômago até à noite. O regresso ao recinto dá-se pelas oito da noite, hora em que sobem ao palco os The Machine. Uma actuação morna, apesar dos acordes viajantes e intermináveis, dá a sensação que, por esta hora, o público só consegue pensar no que vem a seguir: Acid King.
Não são os cabeça-de-cartaz oficiais do segundo dia, contudo, estavam na cabeça de toda gente como o concerto mais aguardado do festival. Lori S., Rafa Martinez e Bil Bowman sobem ao palco pelas nove e um quarto. Lori agarra-se à sua Les Paul vermelha e dá-lhe as primeiras notas, soltam-se os primeiros gritos entusiastas. Está aberta a festa, porque faixa atrás de faixa, prometem uma maratona de cabeçadas lentas. Ninguém irá descansar o pescoço na hora seguinte. O crowdsurfing é tímido, mas a excitação vai aumentando gradualmente. Estamos perante um trio que leva já vinte e quatro anos de carreira, mas continuam a desbotar riffs gravalhões, possuídos por uma bateria certeira. O ritmo é descaradamente mais lento que o habitual registo de estúdio, o que resulta numa chapada que é descarregada por cada som de tarola. Não pode faltar “2 Wheel Nation” e “Drive Fast, Take Chances”, mas quando soam as primeiras notas de “Electric Machine” o burburinho no seio da plateia agiganta-se, as proporções ganham volume para um abraço sonoro de peso.
Os Colour Haze chegam da Alemanha para mostrar que o psicadelismo pode ir para além dos pedais fuzz e delay. Um trio que se move por uma sonoridade muito característica, a guitarra é só uma mas parece duplicar-se por loops infinitos, transportando a música para uma viagem cósmica sem regresso. “She Said” abre o alinhamento, prometendo um concerto mágico, tendo como pano de fundo uma chuva de estrelas incrível; é verdade caem estrelas cadentes ao longo do concerto e isso torna a envolvência da actuação mais especial.
Ainda está muita gente zonza com o concerto de Acid King, mas isso não impede que os Orange Goblin tragam a sua boa disposição. “Boa noite SonicBlast, nós somos os Orange Goblin e tocamos heavy metal!” Está feita a apresentação para um concerto que não foge muito ao alinhamento de 2013, no Milhões de Festa. Os britânicos brindam com a audiência, puxam por ela e agitam-na ao som de gritos brutais, bem encaixados nas guitarradas frenéticas. A energia propaga-se rapidamente às filas da frente, que não tardaram em abrir um mosh pit e muito crowdsurfing. “Time Travelling Blues” e “Rage Of Angels” foram os pontos altos de um concerto bem conseguido e regado com muita cerveja.
Os Dead Witches são uma banda peculiar, três homens (bateria – que por acaso está a cargo do ex-baterista dos Electric Wizard -, guitarra e baixo) dominados pela voz de uma mulher que se vai desfazendo enquanto dança ao som de riffs diabólicos. Presos por alguma monotonia sonora, mas sempre com muito público a encará-los, mais que não fosse pela actuação burlesca da vocalista. Com apenas um álbum editado, este quarteto britânico parece ser mais interessante em estúdio do que propriamente ao vivo, mas podemos estar enganados e quanto a isso só o tempo o dirá.
O after hours no Ruivo’s Bar esteve a cargo de DJ Fitz, que entregou de bandeja uma boa dose de funk e psicadelismo. Nas imediações do bar, muitos membros das bandas aproveitam para beber um copo, tirar fotografias e conversar com os fãs. As últimas horas de festa, acabam por ser entre abraços e diálogos bizarros com os Vinnum Sabbathi e convívio com os Dead Witches. Tudo isto, claro, carregado de erva, cerveja e whiskey, relembrando que o SonicBlast vive também da proximidade entre quem faz e quem sente a música. Já está no nosso roteiro e para o ano, lá estaremos!
Este artigo também foi escrito por Joana de Sousa