“Sound of Metal”, de Darius Marder: o retrato de vida de um homem comum, dedicado à música, que perde a audição
Riz Ahmed é um belo actor que parecia condenado a uma carreira de papéis secundários, muitas vezes relegado para a categoria de “actor de personagem”, com raras passagens para o posto de protagonista em produções modestas como “Shifty” ou “Reluctant Fundamentalist”. Em “Sound of Metal”, que pode ser visto na Amazon Prime Video, Ahmed parece ter finalmente encontrado um papel e um filme condizentes com o seu talento.
Esta é a primeira longa metragem de Darius Marder, que já havia escrito o argumento da tragédia dramática de autor que foi “The Place Beyond the Pines”. Em “Sound of Metal” já não existe esse entusiasmo por parte do realizador em fazer algo de grandioso. Este é um produto educado e norteado, preocupado em explorar de forma crua e sem grandes artifícios a transição de estilo de vida do homem comum que perde a audição. Curiosa a escolha da personagem principal ser um baterista de metal, com um visual inconformado e rebelde, que subitamente se vê perdido num novo mundo de ausência de som. Essa ausência sonora é transposta sem grandes amparos para o espectador, num trabalho técnico de audio notável que emoldura o argumento.
Riz Ahmed guia-nos desde a frustração até à aceitação, passando pela curiosidade, num processo interno visceral que prefere a subtileza ao espalhafato, com um trabalho que é reconhecido como meritório pela comunidade surda. No entanto, não é só da componente técnica e da performance do protagonista que vive “Sound of Metal”. Olivia Cooke, a namorada e vocalista do duo de músicos, tem uma energia magnética enquanto apoio moral, mas também enquanto personagem secundária desenvolvida por si só: uma rapariga rebelde de boas famílias que vê se forçada a repensar a sua vida, as suas prioridades e as suas relações familiares perante a ausência do seu parceiro de projecto, quer física, quer emocionalmente. Por outro lado temos um estóico Paul Raci, com uma interpretação humilde e realista, figura paternal de uma comunidade surda onde cada elemento procura encontrar-se.
O silêncio pode ser agonizante, na mesma medida em que pode ser pacífico. Raramente um filme com uma mensagem de inclusão se apresenta de forma tão limpa de moralismos e truques de algibeira dramática. Com um argumento impiedoso e realista, interpretações de método cruas e um design sonoro a fazer lembrar “Sully”, de Eastwood, não há grandes dúvidas de que “Sound of Metal” é um dos melhores filmes de 2020. Em ano de pandemia, este é um filme que merecia ser visto em sala, em silêncio, absorvendo o silêncio que o próprio filme nos entrega.