Steven Morrisey e JD Salinger: formas diferentes de encarar a criação artística

por Paulo Portugal,    16 Novembro, 2017
Steven Morrisey e JD Salinger: formas diferentes de encarar a criação artística

O que terão em comum Steven Morrissey e JD Salinger? Assim de repente, só a mera comparação seria suficiente para provocar o riso. No entanto, pensando melhor e servindo-nos da curiosidade da estreia simultânea de Descobrir Morrissey e A Vida de um Génio, essa aproximação de almas tomadas pela tortura interior no momento da criação e inspiração literária acabam por receber tonalidades próximas. Já os processos em que o cinema as recebeu é que são bem distintos. Enquanto que um privilegia a palavra e sugere as imagens de um futuro que conhecemos mas não vemos, o outro decora a paisagem biográfica deixando-nos quase órfãos dessa produção artística.

JD Salinger é um dos autores americanos que mais culto tem merecido, sobretudo pelo impacto que teve o seu romance The Catcher in the Rye, ou À Espera do Centeio, a tradução lusa que substitui a original Uma Agulha No Palheiro sobre as dores de crescimento de Holden Caufield, o protagonista muito inspirado no próprio Salinger. Ora, o que faz o filme de Danny Strong, um ator de televisão transformado em argumentista? Não são seguramente as duas partes do último Hunger Games que lhe dão crédito ou até mesmo O Mordomo. A opção é claramente a mais fácil, a de embarcar nessa espécie de making of de um dos romances mais lidos em todo o mundo, oferecendo aqui e ali alguns pormenores desse percurso – um deles bem relevante até, através da personagem de Kevin Spacey, o ator caído em desgraça, aqui no papel do professor de escrita criativa e do editor que descobriu o talento de Salinger. Apesar de tudo, o maior pecado é de Strong terá sido nunca nos aproximar verdadeiramente dessa catarse criadora.

Bem ao contrário, o filme de Mark Gill England is Mine – Descobrir Morrisey não nos dá o que muitos até poderiam desejar, embora oferecendo um cinema maior. Ou seja, evita o perfil abrilhantado do frontman dos The Smiths, optando por revelar tudo aquilo que está para trás. Ou seja, a Manchester entre o final dos anos 70 e início dos 80, portanto entre o punk e a new wave, como que a permitir aos mais atentos perceber de onde vieram as inspirações para alguns dos seus temas mais marcantes. Isso inclui naturalmente o encontro de Morrissey com o guitarrista muito cool Johnny Marr, com quem haveria de criar hits como Heaven Knows I’m Miserable Now, entre tantos outros, aí já com os maneirismos que o acompanharão ao longo da sua carreira, muito influenciados pelos Roxy Music.

O realizador Mark Gill, aqui na sua primeira longa-metragem, até poderia ter seguido um caminho mais imediato, mas ganha ao revelar aquilo que muitos não conheciam – o rapaz Morrissey, tímido e ao mesmo tempo convencido do seu talento poético que acaba por aceitar um emprego cinzentão, como escriturário; ao contrário de Salinger, que recusa o emprego fácil com o pai – até estar preparado de ser o que muitos conhecem pela carreira dos The Smiths. É esta economia narrativa, embora muito empenhada na atividade de criação, que fica muito bem no filme.

Artigo escrito por Paulo Portugal / Parceria Insider.pt

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