Sudoku, sexo e uma língua clássica
Não gosto de Marmite. Nunca gostei. Portanto a notícia divulgada hoje de que a receita mágica para uma vida longa e cerebralmente activa é combinatória «Sudoku + sexo + Marmite» não vai dar para mim, nem para muitas outras pessoas da minha idade.
Mas é possível substituir Marmite por outra coisa. A minha sugestão é que se substitua por uma língua clássica: grego ou latim.
Ao explicar ontem, às minhas alunas de Grego VI na Universidade de Coimbra, a solução para os vários problemas de raciocínio colocados por um pequeno exercício de retroversão (isto é, traduzir para grego um pequeno texto em português), dei-me conta de que fazer uma retroversão para latim ou grego é um treino intelectual análogo a Sudoku, xadrez, bridge ou outros jogos.
Porque o exercício de retroversão, no ensino das línguas clássicas, não passa (a meu ver) de um jogo. É algo de lúdico. Não é para fazer retroversões que ensinamos e aprendemos grego e latim: as línguas clássicas servem para ler textos em grego e latim, sejam eles literários, filosóficos, teológicos ou epigráficos.
A retroversão é um jogo. Tipo Sudoku. Que puxa fantasticamente pela cabeça, como vimos na aula ontem, quando um dos problemas colocados pelo textinho em português que eu dei exigia a capacidade de formar uma interrogativa indirecta que fosse simultaneamente a apódose de uma frase condicional de sentido hipotético; de formar frases condicionais de sentido eventual e irreal; ou de formar orações participiais que por sua vez já dependem de um particípio; e de resolver outros problemas de linguagem vista debaixo do microscópio.
Porque esta consciencialização concentrada dos processos inerentes a uma língua tira o véu ao facto de qualquer língua humana ser um sistema de estonteante complexidade «matemática». A grande vantagem do grego e do latim para exercitar a massa cinzenta é que quase todas as palavras de cada frase têm de ser declinadas/conjugadas de modo a permitir um sentido absolutamente lógico. Ao mesmo tempo, essa coisa absolutamente fascinante que é a sintaxe latina e grega (que sistematiza a maneira de juntar frases e ideias a bem da lógica e da inteligibilidade) abre-nos horizontes que expandem exponencialmente o nosso cérebro. Tentei dar uma panorâmica acessível dessa maravilha na apresentação que faço da sintaxe latina na minha «Nova Gramática do Latim». Folheiem um dia, da próxima vez que entrarem numa livraria ou biblioteca.
Eu senti, na prática (ou mesmo «na pele»), a enorme utilidade da aprendizagem das línguas clássicas quando comecei a estudar latim a sério numa altura em que já falava alemão, só que mal e porcamente. Foi o latim, por estranho que pareça, que me pôs a falar alemão com um nível de exactidão gramatical que é raro em pessoas que não nasceram com o alemão como língua materna. Porque o tipo de exercitação mental que o latim e o grego dão serve para tantos outros âmbitos da vida.
Por isso, qualquer que seja a nossa idade, vamos sempre a tempo de pôr o cérebro a funcionar, fazendo algo que nos dê uma vida longa com qualidade mental.
Quem quiser pode, é claro, ater-se à fórmula «Sudoku + sexo + Marmite». Cá por mim, prefiro substituir Marmite por grego ou latim. E quanto a Sudoku, sinceramente, nem faço questão…