Sugestões para reflectir, ler, ver e ouvir
Enfim, o Outono. Durante estes períodos menos normais, mas já a caminhar para uma normalidade subjectiva, há muito a reflectir, muito para ler, muito para ver e muito para ouvir.
Toda a minha vida fui apaixonada pelos Estados Unidos da América, sonhava com a ida ao país, sonhava com todo aquele imaginário que nos era apresentado pelos filmes, pelas séries, pelas fotografias. Em 2015, e porque o Justin Vernon decidiu relançar o percurso dos Bon Iver no festival Eaux Claires em Eau Claire (Wisconsin), decidi fazer-me ao caminho e aproveitar esse grande acontecimento para uma viagem solitária pelos EUA, que durou um mês. A minha ida ao festival também foi a entrada para a CCA e escrevi sobre isso aqui.
Long story short, na minha visita ao Wisconsin (que passou por Madison, Milwaukee, Menomonie, Chippewa Falls, Fall Creek, além de Eau Claire), a Minneapolis, a Chicago e a Nova Iorque percebi que havia muita coisa que era tal e qual como nos filmes. As casas com bandeiras à porta e sem muros a separar as propriedades, as ruas largas, a enorme simpatia das pessoas. As pequenas grandes diferenças. Mas foi só há pouco tempo, e com a morte de George Floyd, que percebi que só fiz a viagem de uma mês, sozinha, sem qualquer tipo de problema e, principalmente, sem medo, porque tenho na cor da pele um privilégio. E digo-o porque exactamente na mesma semana que cheguei aos EUA, Sandra Bland foi mandada parar pela polícia e morreu 3 dias depois em circunstâncias que levantam muitas dúvidas. Porque soube da existência de bairros de Chicago que funcionam como guetos, numa segregação conhecida, institucional e aceite. A questão da segregação surgiu-me, ou foi-me surgindo, durante este período de confinamento com a leitura de artigos como o da Atlantic (aqui) e com muitos outros relatos aqui e ali. E tudo isto leva-me à sugestão de leitura de hoje que é: Sei porque canta o pássaro na gaiola de Maya Angelou (editado pela Antígona). Neste livro, Maya Angelou traz-nos parte da sua vida, traz-nos memórias doces e muitas cruéis. Traz-nos acima de tudo a evidência de um segregacionismo que nós não vemos nos filmes, não vemos nas séries, não imaginamos sequer.
Numa nota mais positiva, ou não, a mesma viagem aos EUA teve como banda-sonora o The Age of Adz do Sufjan Stevens. Estou em crer que me apaixonei por ele no Eaux Claires e ainda não me passou – quem me conhece sabe que me refiro a Sufjan como o “homem mais bonito do mundo” e essa certeza mantém-se inabalável. E por estes dias tivemos finalmente álbum novo. Depois do incrível e melancólico e avassalador Carrie & Lowell (lançado em 2015), The Ascension é um disco melancólico e negro com roupagem pop. O que à partida nos parece um disco pop-dance, à medida que vamos entrando no disco percebemos que há dor, há medo, há desilusão e muita frustração. Alguém escreveu que este era o disco mais negro de Sufjan Stevens e eu tendo a concordar. E Tell Me You Love Me é uma ode ao amor visceral, uma música que deverá estar no repertório de canções que se cantam com o coração partido num daqueles karaokes de restaurantes chineses, com os olhos cheios de lágrimas e uma garrafa de vinho bebida – e sim, isto é um elogio.
Nestes dias também foi lançado, em formato físico, o disco Philosotry de NEEV, que também entrevistei há uns tempos. É honesto, é muito bonito e pode ser uma surpresa.
Também fui ver o Ivo Canelas a apresentar Todas as Coisas Maravilhosas no Estúdio Time Out, também na sequência da conversa que tive com o actor e que pode ser lida aqui. É um espectáculo em que rimos e choramos. Até podemos dançar, como me disse o meu ilustre co-editor João Estróia Vieira. Há mais datas a serem adicionadas e há um par de bilhetes à venda numa e noutra data. Não percam, vale muito a pena.
Como o tempo começa a arrefecer e com aquela vontade matreira de ficar em casa enrolado no sofá, as séries que eu recomendo são:
– Normal People na HBO (e também o livro de Sally Rooney, editado pela Relógio d’Água)
– Sul, que passou na RTP e agora está na HBO, é das melhores séries alguma vez feitas em Portugal, com fotografia excelente e com a participação de Nuno Lopes, Ivo Canelas, Beatriz Batarda e realização de Ivo M. Ferreira
– Kalifat na Netflix. “Foi-me” recomendada pelo Ricky Gervais e é uma série sueca excepcional
– Recursos Desumanos na Netflix. Não é uma série incrível, porque não é, mas é protagonizada pelo Eric Cantona e explora o desespero e a crueldade de uma sociedade capitalista
Como não podemos viajar muito, e como boa gourmand que sou, sugiro que se experimentem outras culturas gastronómicas, como é o caso de Azmarino, comida etíope/eritreia para um jantar de grupo em casa e a pensar nas próximas férias.
Por fim, sugiro os lives do Ricky Gervais às 18h de domingo e de quarta-feira no Twitter e por vezes no Instagram. E termino como ele terminaria: stay safe, be kind to animals, wash your hands. Tatty-bye everyone.