‘Summer Days With Coo’: a exploração dramática do simbolismo místico da cultura japonesa

por João Miguel Fernandes,    13 Setembro, 2018
‘Summer Days With Coo’: a exploração dramática do simbolismo místico da cultura japonesa
“Summer Days with Coo”, de Keiichi Hara
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Falar de animação japonesa é falar de Hayao Miyazaki, Satoshi Kon, Isao Takahata, Mamoru Oshii, Osamu Tezuka, Akira Toriyama, entre outros. Contudo, num contexto mais abrangente e actual é impossível não referirmos Makoto Shinkai, Masaaki Yuasa ou Keiichi Hara. É propriamente neste último em que nos vamos focar, mais especificamente no seu filme de animação de 2007, “Summer Days with Coo”.

O grande problema da maioria dos animadores e artistas no Japão é conseguir encontrar um estúdio que financie as suas ideias. Em 2018 o problema é também encontrar um estúdio que aposte nos artistas 2D, visto que a grande maioria do público está bastante entusiasmado com a animação 3D que tem despoletado um pouco por todo o mundo e que torna, do ponto de vista financeiro, a produção muito mais fácil.

“Summer Days with Coo”, de Keiichi Hara

“Summer Days with Coo” é uma aventura dramática (com alguma comédia à mistura) sobre um rapaz que vive nos subúrbios de Tóquio e que um dia encontra um fóssil que afinal está vivo. Esse fóssil é Coo, um ser místico que perdeu a família há muitos anos atrás (bastante ligado à mitologia japonesa). Ao longo do filme deparamo-nos com todo o tipo de situações. Coo tem dificuldades em adaptar-se a uma cidade 300 anos à frente do seu tempo e Kochi tem dificuldades em conseguir conciliar esta nova amizade com toda a realidade moderna e controladora que o rodeia.

O que é interessante neste filme de animação é a abordagem de temas complexos de forma tão simplificada. Um dos grandes trunfos de grande parte dos filmes de animação japonesa é a forma como conseguem criar uma narrativa que tanto pode agradar a uma criança, com aventura e comédia simples, como a um adulto, aprofundando temas complexos de forma simplificada. “Summer Days with Coo” fa-lo com excelência. De um lado temos o tema da amizade, aqui personificado entre um animal falante e um jovem que luta contra a evolução da sociedade obsessiva e controladora, ilustrada várias vezes quase ao nível de um “Big Brother” (1984) Orweliano, com paparazzi e a jovial internet a ditarem a verdade. De outro lado temos todos os conflitos que surgem a um jovem numa idade complicada, em crescimento, desde a forma como lida com essa mesma tecnologia, com a sua família e, mais importante, consigo mesmo.

“Summer Days with Coo”, de Keiichi Hara

Os momentos dramáticos são recorrentes ao longo do filme, tanto nas saudades de Coo pelo seu pai e os seus tempos, como na amizade cada vez mais forte e proibitiva entre um ser místico e um jovem. A sociedade funciona aqui como máquina opressora e com consequências trágicas, embora o final seja agridoce, não uma tragédia.

Do ponto de vista técnico o filme é uma autêntica pintura e obra de arte, algo que podemos assistir nos outros filmes de Hara (Colorful, por exemplo). A componente dramática e a narrativa directa são elementos característicos do realizador, sendo que “Summer Days with Coo” consegue alcançar um patamar superior em relação às outras obras de Hara.

O cinema de animação japonês é um mundo bem mais complexo que a maioria dos mercados, não tanto pela procura ou pressão do público, mas pela arte envolvida nos projectos. Falamos de um dos países que mais atenção aos detalhes e à animação tradicional em 2018, algo que é cada vez mais raro nos dias que correm.

“Summer Days with Coo” é uma obra emocionante, dramática e equilibrada, com momentos de comédia, suspense e aventura, bem ao estilo das melhores animações japonesas. Uma pérola pouco conhecida, mas que vale a pena ver e rever diversas vezes.

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