‘Summer Days With Coo’: a exploração dramática do simbolismo místico da cultura japonesa
Falar de animação japonesa é falar de Hayao Miyazaki, Satoshi Kon, Isao Takahata, Mamoru Oshii, Osamu Tezuka, Akira Toriyama, entre outros. Contudo, num contexto mais abrangente e actual é impossível não referirmos Makoto Shinkai, Masaaki Yuasa ou Keiichi Hara. É propriamente neste último em que nos vamos focar, mais especificamente no seu filme de animação de 2007, “Summer Days with Coo”.
O grande problema da maioria dos animadores e artistas no Japão é conseguir encontrar um estúdio que financie as suas ideias. Em 2018 o problema é também encontrar um estúdio que aposte nos artistas 2D, visto que a grande maioria do público está bastante entusiasmado com a animação 3D que tem despoletado um pouco por todo o mundo e que torna, do ponto de vista financeiro, a produção muito mais fácil.
“Summer Days with Coo” é uma aventura dramática (com alguma comédia à mistura) sobre um rapaz que vive nos subúrbios de Tóquio e que um dia encontra um fóssil que afinal está vivo. Esse fóssil é Coo, um ser místico que perdeu a família há muitos anos atrás (bastante ligado à mitologia japonesa). Ao longo do filme deparamo-nos com todo o tipo de situações. Coo tem dificuldades em adaptar-se a uma cidade 300 anos à frente do seu tempo e Kochi tem dificuldades em conseguir conciliar esta nova amizade com toda a realidade moderna e controladora que o rodeia.
O que é interessante neste filme de animação é a abordagem de temas complexos de forma tão simplificada. Um dos grandes trunfos de grande parte dos filmes de animação japonesa é a forma como conseguem criar uma narrativa que tanto pode agradar a uma criança, com aventura e comédia simples, como a um adulto, aprofundando temas complexos de forma simplificada. “Summer Days with Coo” fa-lo com excelência. De um lado temos o tema da amizade, aqui personificado entre um animal falante e um jovem que luta contra a evolução da sociedade obsessiva e controladora, ilustrada várias vezes quase ao nível de um “Big Brother” (1984) Orweliano, com paparazzi e a jovial internet a ditarem a verdade. De outro lado temos todos os conflitos que surgem a um jovem numa idade complicada, em crescimento, desde a forma como lida com essa mesma tecnologia, com a sua família e, mais importante, consigo mesmo.
Os momentos dramáticos são recorrentes ao longo do filme, tanto nas saudades de Coo pelo seu pai e os seus tempos, como na amizade cada vez mais forte e proibitiva entre um ser místico e um jovem. A sociedade funciona aqui como máquina opressora e com consequências trágicas, embora o final seja agridoce, não uma tragédia.
Do ponto de vista técnico o filme é uma autêntica pintura e obra de arte, algo que podemos assistir nos outros filmes de Hara (Colorful, por exemplo). A componente dramática e a narrativa directa são elementos característicos do realizador, sendo que “Summer Days with Coo” consegue alcançar um patamar superior em relação às outras obras de Hara.
O cinema de animação japonês é um mundo bem mais complexo que a maioria dos mercados, não tanto pela procura ou pressão do público, mas pela arte envolvida nos projectos. Falamos de um dos países que mais atenção aos detalhes e à animação tradicional em 2018, algo que é cada vez mais raro nos dias que correm.
“Summer Days with Coo” é uma obra emocionante, dramática e equilibrada, com momentos de comédia, suspense e aventura, bem ao estilo das melhores animações japonesas. Uma pérola pouco conhecida, mas que vale a pena ver e rever diversas vezes.