Super Bock Super Rock, dia 2: a noite em que França conquistou o Meco
O segundo dia do Super Bock foi marcado por um maior equilíbrio na distribuição do público, que com frequência se viu obrigado a alternar, em massa, entre o palco principal e o palco secundário do evento – os principais responsáveis foram os concertos de Capitão Fausto e FKJ, que provaram ser bandas com dimensão suficiente para poderem perfeitamente ocupar um lugar no palco Super Bock, numa próxima ocasião. Estes fluxos entre palcos são sempre um sinal saudável de que a audiência circula, está atenta ao todo, e não acontece o fenómeno de marcar lugar o dia todo para assistir a Lana del Rey como uma sardinha em lata (acontece quando existe um cabeça de cartaz muito forte, é natural).
Mas foi também a noite em que França conquistou a herdade do Meco: os cabeças de cartaz Phoenix, assim como Christine and the Queens, passando pelas grandes do do palco secundários FKJ e Charlotte Gainsbourg; todos estes artistas, que tocaram uns a seguir aos outros no alinhamento do horário, representaram a antiga Gália. Todos os concertos nos pareceram apostas vencedoras – mas Christine and que Queens, talvez a que teve menos público de todos estes nomes, destacou-se um largo passo (a nosso entender). Lá iremos.
Começámos a tarde em Fugly, a banda de punk rock portuense que actuou para cerca de duzentas ou trezentas pessoas no pequeno palco LG, com a atitude de quem toca para cinco mil. Tens enérgico atrás de renda enérgico, cada um dos membros a dar tudo – achámos especialmente graça à antecipação do baixista, que dez segundos antes do primeiro sinal de que as malhas iam levantar voo, já saltava de entusiasmo com o que ainda estava por vir. Foi também o primeiro moche que tivemos oportunidade de assistir neste SBSR (mas o dia ainda traria muitos).
Uma breve incursão ao palco EDP levou-nos a cruzar os ouvidos com o supergrupo composto da junção entre Calexico e Iron and Wine. São raros em festivais os momentos em que não há medo do silêncio e do volume baixo; em que as bandas têm a maturidade de saber reduzir a intensidade para dar espaço para respirar. Isso acontece porque com frequência a plateia não está para aí virada – e o número de espectadores parecia confirmar esta suspeita. Mas a verdade é que o concerto foi muito bom. Três ou quatro músicas antes de nos deixarem, presenteiam-nos com uma tema que até agora não conseguimos pescar o nome (seria “What Heaven’s Left?” Não nos atravessamos); mas que foi um daqueles raros momentos de felicidade sem reservas, que na vida surgem ao virar uma esquina inesperada. O coda da canção, longo, instrumental, com a harmonia das guitarras a interagir de maneira emocionante com o trompete – vamos guardar aquele instante, pintado a pôr-do-sol.
Quando saímos do concerto dos Capitão Fausto, vínhamos contentes com a decisão de nos termos mantido ali até ao fim, e a pensar que tinha sido talvez o concerto que mais gosto nos tinha dado assistir nesta edição do festival. Mas à medida que o palco principal ficava mais próximo e começámos a ouvir a pop electrónica de Christine and the Queens, acelerámos o passo. Um daqueles momentos: o que é isto?
Como se não bastasse a Christine ter a voz mais bonita de todo o festival, a produção do espectáculo estava a encostar à box qualquer outra coisa que tivéssemos visto até então no Meco. Quase uma dezena de bailarinos, máquinas de grande dimensão a dispararem faíscas, um som límpido e cristalino a evidenciar a qualidade instrumental de fundo, e temas que são a definição da vocação para a dança. A mega produção de Christine and the Queens sofreu com a concentração de público em Capitão Fausto – a própria artista faz a certo ponto uma piada a dizer que finalmente começava a chegar mais gente – mas comparado com a noite anterior o palco principal estava bastante desfalcado. Só vimos a meia-hora final do concerto, mas ficou tudo à vista na maior surpresa desta noite do festival – apesar de poucos ouvidos se terem cruzado com a electropop da francesa, aconteceu ali um dos grandes momentos desta edição do Super Bock Super Rock. Exige-se um rápido regresso a Portugal.
No palco secundário, seguia a festa da electrónica pop francesa. Charlotte Gainsbourg, a antítese de Christine em termos de atitude em palco, esteve sempre contida, deixando a sua discreta voz polvilhar de mansinho os beats de peso que se erguiam com a vistosa iluminação do palco. O ambiente denso convocava a uma estranha dança introvertida, sem manual de instruções. Assim como os Shame pareciam fazer par com os Fugly, assim Charlotte fazia par com Christine – e sabe sempre bem percebermos que a curadoria dos horários homenageia estas sequências e fluxos, que dão coesão à programação.
Começou aqui o movimento de pêndulo da grande movimentação de espectadores do festival. O público atravessa o recinto para se reunir diante dos cabeças de cartaz Phoenix – estatuto que, em Portugal, não lhes assenta propriamente bem. Não porque não sejam uma banda interessante, mas porque não reúnem o nível de culto ou o reconhecimento em massa que convém a uma banda que tem o lugar cimeiro de uma noite de um festival. Isto é – se não soubéssemos qual o nome maior no tamanho das letras do cartaz, não teria sido pelo concerto dos Phoenix que teríamos passado a saber. Enérgico, melodias e acompanhamentos que entram no ouvido, muita cor – mas, de alguma forma, pouca substância e emoção.
A multidão que recebeu FKJ no palco EDP fê-lo com enorme calor humano; e sabe sempre bem assistirmos a esse nível de dedicação e confiança por parte do público, principalmente tendo em conta que o produtor francês actuou sozinho, numa enorme demonstração do poder do one-man show; alternando entre o teclado, cada uma das três guitarras, o baixo, o saxofone, e os pedais e outros elementos mais escondidos, FKJ desenhou um espectáculo que transpirava coesão e talento. Embora a fórmula nos tenha soado algo repetitiva ao final de uma hora de concerto, a verdade é que a sonoridade tinha um potencial de viagem, que parecia estar a ser vivida por uma boa parte da plateia.
No encerramento da noite, o palco principal voltou a ficar muito bem preenchido para a experiência de pista de dança imaginada pelo produtor de electrónica Kaytranada. Olhando em volta, era ver toda a gente feliz e despreocupada a balançar-se; os vídeos que acompanharam a performance do artista eram dinâmicos, e os jogos de cor e luz convidavam a fruir da experiência live – como frequentemente nos relembravam os textos em evidência nos ecrãs de fundo. A adrenalina acompanhou o público ao longo daquela hora de dança, embora nos tenha parecido que faltou ao concerto alguma criatividade e risco. Caberá aos Disclosure, na última noite do festival, tentarem superar aquele ambiente de festa, e fecharem com chave de ouro a 25.ª edição do Super Bock Super Rock.