“Swing”: quando Freud encontra Fernão Ferro

Se Sigmund Freud fosse convidado para um clube de swing, dificilmente aceitaria. Mas se, por alguma razão, lá acabasse — digamos, por um equívoco kafkiano ou por um impulso de pesquisa empírica — certamente passaria a noite a tomar notas sobre o Das Unheimliche (O Inquietante), esse desconforto familiar que se torna profundamente estranho. E é exatamente nesse ponto de tensão entre o conhecido e o bizarro que Swing, a nova peça de Henrique Dias, se instala com lingeries, cocktails e dilemas existenciais à mistura.
A julgar pelo entusiasmo do público, parece que a psicanálise e a dramaturgia foram apanhadas num ménage inesperado: antes mesmo da estreia, a 8 de março no Auditório dos Oceanos do Casino de Lisboa, Swing já tem sessões esgotadas e uma temporada prolongada. Segundo o próprio autor, «a badalhoquice é muito apelativa». E, convenhamos, é difícil contrariá-lo.

A premissa é simples e caótica: Nuno e Sofia são um casal bem-sucedido, mas com a vida sexual a precisar de um desfibrilhador. Para reanimar a paixão, decidem aventurar-se no swing e conhecem, através de um anúncio online, Renato e Márcia — uma dupla de veteranos da troca de casais e orgulhosos proprietários de um minimercado em Fernão Ferro. Eles não só dominam as regras da etiqueta libertina como dominam os seus usos e costumes desde 2003. Mas será que a teoria se traduz na prática? E mais importante: o que se veste para um evento destes? A incerteza transforma o desejo em dissonância cognitiva, e o que começa como uma experiência libertadora rapidamente se converte num episódio de Seinfeld absurdamente sexual.
O cómico do sexo
«Há muito tempo que pensava em escrever sobre isso porque o sexo tem uma potencialidade cómica tremenda», confessa Henrique Dias. E é verdade: o sexo, essa prática tão exaltada, raramente é tão cinematográfico como gostaríamos de acreditar. Na intimidade, entre cuecas reviradas e cotoveladas involuntárias, há mais espaço para o slapstick do que para o erotismo sofisticado. Agora, adicione-se a isto duas novas pessoas, uma miríade de protocolos tácitos e obtemos a receita perfeita para uma angústia tão cómica quanto inescapável. «No caso do swing, existe um desconforto prático que me deixou fascinado ao pensar em escrever sobre isso.»

A peça começou como uma coleção de ideias dispersas que foram ganhando corpo à medida que Henrique pensava nos atores. Conversou com o produtor, Paulo Dias, acertou os detalhes com o encenador, Adriano Luz, e, uma vez definido o elenco — Diogo Morgado, Diana Nicolau, Manuel Marques e Susana Blazer —, chegou o difícil e inevitável momento de todo o escritor: escrever. «Sei que sou argumentista, mas não sei bem quem sou como pessoa. E esta é a minha recompensa.»
O sexo, a moral e uma questão de logística
Apesar do entusiasmo pelo guião, o elenco mostrou-se inicialmente receoso quanto a cenas de nudez. Mas rapidamente perceberam que não havia nada de in your face. «Isto tem a ver com o desconforto da preparação para o acto», explica Henrique. De facto, qualquer casal que tenha considerado apimentar a relação já se deparou com questões logísticas aterrorizantes: Onde? Num hotel? Em casa? No quarto do filho que foi dormir fora? E a música? Bossa nova ou jazz de hotel de aeroporto? E a comida? Serve-se um jantar leve ou arrisca-se num fondue de queijo antes da ação?
Henrique não pretende fazer de Swing uma tese sobre relações contemporâneas ou um manifesto libertário. «Não acredito na função político-social do humor. Mostro o ridículo mas sem o intuito de mudar a sociedade, que depois fará o seu julgamento. Quem estiver no humor e não for para fazer rir, não está no sítio certo.»
E quanto ao erotismo? Henrique traça uma linha clara: «Há uma fronteira distinta entre o erótico e o sexual: durante o jogo da sensualidade não pode haver riso, mas no acto em si, pode.» No fundo, ninguém quer ser interrompido a meio por uma gargalhada incontrolável — a menos que esteja a assistir (um) Swing.
O final e o perfeccionismo
A peça foi escrita em três meses, um luxo para os padrões portugueses, mas o texto continua a ser limado até ao último momento. «Os meus textos nunca estão acabados porque este é um trabalho de ourives», diz o autor. No teatro, cada vírgula conta e cada mudança pode derrubar um castelo de cartas. Após a primeira leitura com a equipa, as 10 últimas páginas tiveram de ser reescritas. Afinal, a peça não poderia terminar de qualquer maneira — precisava de uma resolução. Não um moralismo barato, nem um conto de fadas moderno, mas uma resposta à pergunta inevitável: quem sai dali como vencedor?
Com Swing, Henrique Dias não pretende revolucionar o discurso sobre sexualidade, mas sim capturar o quão desconfortável — e hilariantemente humano — o acto em si pode ser. Até porque, como diria Woody Allen, quando lhe perguntaram se o sexo era porco: «Só se for bem feito.»
Swing, uma peça de teatro com texto de Henrique Dias, encenação de Adriano Luz e produção de Paulo Dias, estará em cena no Auditório dos Oceanos, no Casino de Lisboa, de 8 de março a 29 de junho de 2025. Com Diogo Morgado, Diana Nicolau, Manuel Marques e Susana Blazer no elenco. As sessões decorrem às quartas, quintas, sextas e sábados às 21h, e aos domingos às 17h.
A seguir, parte em turné: a 5 de julho às 21h e 6 de julho às 16h estará no Porto Coliseu Ageas; 11 de julho às 21h30 no Centro Cultural de Tábua, em Coimbra; 19 de julho às 22h no Grande Auditório do CAE, na Figueira da Foz; 26 de julho às 21h30 e 27 de julho às 17h na Sala Principal do Teatro Aveirense e a 31 de julho às 21h30 no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria.