“TA13OO”, de Denzel Curry, é um passo em frente na história do hip hop
Assistimos neste momento a um confronto geracional no hip hop, despoletado pelo aparecimento do soundcloud rap. Muitos torcem o nariz a esse ramo da árvore cultural que é o hip hop, caracterizado por batidas esqueléticas, rimas simples (por vezes sinónimo para aborrecidas) e uma estética do it yourself. Mas não há como negar que, para o bem e para o mal, o soundcloud rap é parcialmente responsável pela explosão de popularidade que o hip hop tem beneficiado nos últimos anos, tornando-o no género musical actual mais aclamado pelas massas.
Nomes como Lil Pump, Lil Uzi Vert ou Playboi Carti causam azedume a muitos dos fãs da velha guarda e encantam os fãs mais novos com músicas simplistas em que o ócio e o consumo de drogas se destila no meio de instrumentais lo fi. Alguns mostram desdém pelos que vieram antes, subvertendo o género com o mínimo de esforço para obter o máximo de lucro. Outros demonstram que do seio da aparente banalidade há espaço para talento verdadeiro surgir, como no caso de Denzel Curry.
O que faz com que este rapper nativo de Florida se destaque é que ao contrário dos seus contemporâneos Curry nunca se desleixa nas rimas, aliando barras complexas a uma atitude resoluta que contrasta a sua jovem idade. Nos seus dois primeiros álbuns, Nostalgic 64 e Imperial, isso ficou claro, mas é em TA13OO, o seu mais recente projecto, que o rapper realmente se destaca dos seus contemporâneos. A virtude deste álbum está na maneira como Denzel Curry consegue com sucesso fazer a ponte entre os dois mundos em colisão na paisagem do hip hop, aliando isso a uma vertente conceptual descrita ao longo de três atos: “Light”, “Gray” e “Dark”.
A sua cadência é abrasiva e os instrumentais bebem do soundcloud rap mas sente-se que Curry almeja mais, quer ir mais longe, ultrapassar o som que o trouxe à ribalta e tornar-se algo menos supérfluo, de qualidade superior. Ao longo dos três atos do álbum – um conceito que apesar de interessante é pouco explorado e nem sempre as músicas se adequam à parte do álbum em que se inserem – Curry não esquece que um bom hook é cada vez mais a parte central da música, como no caso da infecciosa “SWITCH IT UP | ZWITCH 1T UP” ou da explosiva “SUMO | ZUMO”, que com a sua batida possante e letra materialista é um banger incontornável. Mas isso não impede que Curry continue a honrada tradição de abordar temas relevantes e importantes na sua música.
“SIRENS | Z1RENZ” é o auge desse aspecto, uma música profética com um refrão introspectivo que fala sobre os tumultos raciais e os problemas sociais que se vivem nos Estados Unidos neste momento. Por outro lado, a melódica “CLOUT COBAIN | CLOUT CO13A1N” fala dos problemas que o próprio Curry enfrenta, discutindo as tribulações que um artista sofre ao longo do seu percurso e de como por vezes a pressão para agradar às massas faz com se que se esqueça de si próprio no processo. “PERCS” continua essa discussão ao falar de alguns dos problemas da indústria musical. São temas que ostentam esquemas fonéticos ousados e metáforas aguçadas e ambos estão ao serviço da mensagem que o rapper quer mostrar, plenamente evidenciado em “SIRENS | Z1RENZ”:
“We livin’ in colonies, CNN sit-comedies
Monstrosity run rampant all throughout United States
Talkin’ about “let’s make a fort”
Talkin’ about “let’s make it great””
Não há nada de minimalista neste projecto. A palavra-chave é critério e Curry demonstra-o em todos os aspectos de TA13OO. No final de “BLACK METAL TERRORIST | 13 M T”, a última música do projecto, ouvimos um burburinho de estática reminiscente da primeira música do álbum, “TABOO | TA13OO”. É a forma de mostrar que o álbum é um ciclo, com os momentos mais leves e mais pesados a flanquear a caminhada da vida, única para cada ser humano. Em “PERCS | PERCZ” ouvimo-lo cantar “I may be overlooked, but I’m never underpaid” e em TA13OO Curry mostra definitivamente que está na altura de prestarmos atenção a um dos rappers mais qualificados para carregar o verdadeiro legado do hip hop nos tempos vindouros.