Tales from the cryptocurrencies

por Leonardo Cruz,    22 Maio, 2022
Tales from the cryptocurrencies
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Estudei Economia durante 4 anos, o suficiente para considerar que tudo o que compro me parece caro, tudo o que vendo se me aparenta barato. Mas a melhor lição que alguma vez aprendi sobre esta ciência social que estuda a produção, distribuição e consumo de bens e serviços, e a repartição de rendimentos foi-me oferecida por um taxista no Porto. Da palestra, dada ao volante de um Mercedes-Benz 320 E de 1993, retirei um ensinamento para a vida: “o xôr acredite naquilo que lhe vou dizer, no dia em que sair uma lei que obrigue meio mundo a pagar ao outro meio todo o dinheiro que lhe deve, não há dinheiro no mundo suficiente, c&&%$/*“.

Para troca, contei-lhe uma conhecida anedota sobre o funcionamento da oferta monetária, e que também não aprendi na faculdade. É mais ou menos assim: um oligarca russo visita um hotel e pede para conhecer o melhor quarto. Deixa 50€ em cima do balcão enquanto sobe para analisar a suíte presidencial. Entretanto aparece o dono da mercearia, que reclama créditos ao hoteleiro e este, para o calar, entrega-lhe a nota largada pelo novo hóspede. No caminho de regresso, o merceeiro é abordado pela prostituta da vila, que lhe exige o pagamento da sua conta contraída em noites passadas no hotel. O dono da mercearia paga os 50€ à prostituta e esta aproveita para saldar o seu débito para com o hoteleiro, colocando o dinheiro no balcão onde estava originalmente. Nisto, o russo desce as escadas, recolhe a nota e diz: “não gostei, vou procurar outro sítio”. O numerário regressa ao bolso de partida, mas 3 dívidas foram, entretanto, amortizadas.

O taxista pareceu ter gostado da estória, embora o único comentário que fez tenha sido “raisparta os russos”.

Tenho ideia que esta conversa teve como gatilho a crise que o país vivia na altura. Não me recordo, porém, se isto aconteceu há vinte anos, há dez, ou na semana passada.

Hoje lembrei-me desta conversa por uma notícia que li sobre o crash das criptomoedas ou, como já lhe chamam, o seu momento Lehman Brothers. Não contem comigo para o explicar, até porque não consigo, mas fui educado para desconfiar quando existe esmola. Um dos motivos para a queda daquele mercado tem que ver, segundo o professor Ricardo Cabral, com o facto de ter-se tornado uma espécie de esquema de Ponzi. Ou seja, um investimento indexado a algo não palpável, para colocar o discurso a um nível que eu consiga entender. Foi este tipo de ativos financeiros que colapsou na última grande crise financeira mundial, com os Credit Default Swaps a deitarem-se ao chão uns atrás dos outros como peças de dominó. 

Pois é contra esta forma de investimentos etéreos, símbolo pós-modernista do capitalismo tardio, que venho aqui propor uma alternativa séria, com elevado potencial de rentabilidade e baixíssimo risco, pelo menos a curto prazo. A criação de um Hedge Fund indexado à embriaguez de Joaquim das Cestas, figura de proa da Taberna do Jacinto (“na taberna do Jacinto, bebes branco e bebes tinto”). O célebre “Quim Cesto”, como lhe chama a juventude cuja inocência credibiliza em maior grau rumores ancestrais de que os seus pais eram primos direitos. Começa a beber de manhã, acaba de beber 6 horas antes de recomeçar. Não se lhe conhece idade ou (outra) ocupação, diz-se que o dinheiro vem de “heranças dos primos”. Vive num balcão de mármore, por vezes visita a própria casa. Há até um provérbio na sua aldeia que diz “tudo tem um fim, excepto a bebedeira do Cesto Quim”. Pois bem, o fundo de investimento que proponho funcionaria da seguinte forma: os participantes aplicam o seu dinheiro em unidades de participação cuja valorização estaria subordinada à taxa de alcoolemia de Joaquim das Cestas. A cotação das mesmas é aferida todos os dias à hora do fecho da Bolsa de Nova Iorque, 22h, hora de Lisboa, consoante o nível de gramas de álcool por litro de sangue (g/l) de das Cestas, devidamente medido por alcoolímetro certificado e manuseado por representante idóneo da CMVM.

Espera-se alguma estabilidade das unidades de participação com ligeiras flutuações que estarão associadas à quantidade de carcaças ingeridas durante o dia, que normalmente acompanham cada dezena de copos de três (esta informação não dispensa a leitura do prospeto).

Como quase todas as figuras mitológicas, esta tem uma idiossincrasia memorável. No caso, um passatempo lúdico para o qual tira proveito próprio, engana os incautos e diverte o público. Nada mais que um jogo com três moedas a que cada novo visitante da tasca é obrigado a jogar. Quim pede as moedas, não importa o valor facial, e coloca-as visíveis sobre o balcão. Tapa-as com a palma direita e pergunta, na sua voz entaramelada, “quantas moedas tenho debaixo da mão, quem acertar paga a rodada, quantas moedas tenho debaixo da mão”. Toda a gente viu que, antes de as tapar, estavam lá três moedas. As mesmas que continuam depois de as tapar. Os inocentes principiantes invariavelmente respondem “três”. Quem acerta, paga. Quim Cesto é bêbado, não é mágico.

Não tenho nada contra as novas moedas virtuais, mas o antigo vil metal sempre dá para beber uns copitos de vinho.

*caralho

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