Teatro de S. Carlos estreia “Falstaff”, última ópera de Verdi
A ópera “Falstaff”, de Verdi, a última criação do compositor, é também a última a subir ao palco do Teatro Nacional de S. Carlos (TNSC), em Lisboa, antes de o edifício entrar em obras de restauro, este verão.
A estreia desta obra “cintilante e imparável”, como o Teatro Nacional de São Carlos a define, está marcada para sábado e ficará em cartaz até dia 17.
“Falstaff” conta com encenação de Jacopo Spirei, que no início da temporada já dirigira “Madama Butterfly”, de Giacomo Puccini, e cenografia de Nikolaus Webern, nome comum aos pricipais teatros de ópera de Áustria e Alemanha, em particular.
Ópera cómica, que satiriza sobretudo a burguesia do século romântico que Verdi dominara com os seus dramas, “Fallstaff” retoma textos de William Shakespeare, designadamente de “As Alegres Comadres de Windsor”, cujo título é citado numa das árias, e cenas das peças “Henrique IV” e “Henrique V”, num enredo trabalhado por Arrigo Boito, que já trabalhara com Giusseppe Verdi (1813-1901) em anteriores criações.
É aliás de Boito, uma das mais célebres citações associadas à estreia da ópera, numa carta dirigida ao compositor: “É melhor pôr fim a uma carreira com uma poderosa gargalhada, do que com os lamentos do coração humano.” Antes “Falstaff”, para a despedida dos palcos, do que “Othello”, dizia o escritor, autor do libreto, na terceira ópera do compositor italiano, inspirada no Bardo inglês.
Para o encenador da versão que agora tem estreia portuguesa, Jacopo Spirei, é um “prazer estar de volta” a um teatro onde gosta de trabalhar, para mais encenando uma das “obras de arte” de Verdi, uma ‘commedia lirica’ que terminava “uma produção marcada por intensíssimas tragédias”, como o próprio programa do S. Carlos destaca.
Trata-se de “uma ópera plena de atualidade”, assegurou o encenador à agência Lusa. Daí a introdução em cena de objetos como telemóveis, semáforos, computadores, uma fotografia de Isabell II de Inglaterra, além dos figurinos contemporâneos.
O ambiente britânico é uma constante nesta encenação, indo ao encontro dos propósitos de Verdi, que não queria que a ação operática se passasse no seu país, Itália, disse à Lusa Jacopo Spirei.
O espectador quando entra na sala do S. Carlos é confrontado com a “Union Jack”, como telão, que se mantém presente no desenrolar da ópera.
Para o encenador esta ópera conta “a história do nascimento de uma nova classe social, a burguesia”. “É uma ópera de intrigas e boatos”, no seu enredo mas, acima de tudo, “uma ópera sobre liberdade.”
A derradeira ópera de Verdi “é cínica, alegre e triste, mas este velho Falstaff vê na juventude um brilhante futuro no qual não participará”, explica Siprei. Falstaff, porém, “não vê isso com amargura”, o que “é uma grande conquista.”
Este facto não só marca a modernidade da ópera, no seu tempo, como a sua perenidade.
A estreia, em 1893 no Scala de Milão, foi recebida em apoteose. Mas “Falstaff” não manteria a popularidade dos outros títulos verdianos, recorda o texto de apresentação do Teatro Nacional de S. Carlos. “Era uma obra desconcertante, em que o público não reconhecia as empolgantes árias, os coros e os grandes finais que tinham marcado toda a produção do mestre”. Na prática, Verdi propunha “uma modernidade quase radical.”
“Falstaff” chegou pela primeira vez a Portugal no ano seguinte, ao Teatro de S. Carlos, também protagonizada pelo barítono Victor Maurel, à semelhança da estreia. Em 2001, o teatro lírico português assinalou os cem anos da morte de Verdi levando a cena a sua derradeira ópera.
“‘Falstaff’ é uma obra cintilante e imparável”, conclui o texto de apresentação divulgado pelo teatro, citando o crítico e musicólogo britânico Richard Osborne: “‘Falstaff’ é o apogeu da comédia em música (…), inspirada no maior dramaturgo e escrita pelo maior compositor de ópera que o mundo já conheceu.”
A direção musical deste regresso a “Falstaff” é de Antonio Pirolli, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos, que tem em Giampaolo Vessella o maestro titular.
O elenco é constituído por Pietro Spagnoli, no papel de Sir John Falstaff, Dora Rodrigues, André Baleiro, Rita Marques, Maria Luísa de Freitas, Cátia Moreso, Michele Angelini, Marco Alves dos Santos, Leonel Pinheiro e Miguel Ángel Zapater.
A estreia de “Falstaff”, no sábado, acontece às 20:00, à semelhança das récitas nos dias 13, 15 e 17 de maio. No dia 19, o espetáculo tem início marcado para as 16:00.
As récitas são precedidas, 30 minutos antes, por uma palestra pela musicóloga Luísa Cymbron, no salão nobre o teatro, numa sessão de “Breves palavras” sobre o compositor, a música, a ópera e o seu contexto de criação.
As notas de programa resultam de uma parceria entre o Teatro Nacional de S. Carlos e o Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, “que compreende a produção de textos científicos e académicos para enquadramento da temporada lírica, e que será em breve alargada a outras áreas.”
O Teatro Nacional de São Carlos encerrerá para obras, a decorrerem no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, depois de terminado o Festival ao Largo.