‘Tenderness’: o amor tecnológico de Blue Hawaii
Na capa de Untogether, de 2013, vemos Alexander e Raphaelle, o ex-casal que compõe o duo Blue Hawaii, a abraçar-se. Mas estarão realmente a abraçar-se? Os seus corpos apresentam alguma transparência, indicando a ausência da sua contraparte para cada um deles. O álbum aborda alienação, solidão e saudade através de electropop frio, criando uma atmosfera adequada e belíssima, que explora o término de uma relação.
O que mudou em 2017? Na capa de Tenderness, o seu novo álbum, vemos o mesmo duo sentado num mesmo sofá, cada um virado para seu lado e olhando para um ecrã luzidio, caídos na armadilha da tecnologia moderna, que separa aqueles que estão juntos. Apesar do que a capa evoca, os temas do álbum vêm da experiência de uma relação online por que Raphaelle passou. Passa pelas várias fases que se seguem ao término da mesma: o sentimento de libertação, a dúvida, a saudade e, por fim, a aceitação; num arco narrativo optimamente desenhado.
Desta feita, a sonoridade mantém a sua base na electropop, ao mesmo tempo que se deixa influenciar pela house e disco clássicos, resultando num álbum dançável, de produção cristalina, e que evoca um pouco mais de calor que o anterior. O single de avanço, “No One Like You”, começa no estilo a que o projecto nos habituou, mas com uma batida que parece vir de trás de uma cortina de veludo, quente e acolhedora. A canção vai-se tornando mais expansiva, até atingir o pináculo puramente disco, gloriosamente completo com o violino de Owen Pallett.
A faixa-título do álbum aborda o conforto na rejeição, de alguém que aprende a viver tão confortavelmente na sua própria companhia como se estivesse nos braços ternurentos do outro (“Learning how to be alone without you / And happy to be with me”). Um hino à solitude, tão simples quanto é belo, de batida saltitante que impele a danças solitárias no quarto. “Make Love Stay” é uma das canções que aborda a dúvida após o final de uma relação e a vontade de reatar, através de um lounge pop pontilhado com trompetes e flautas, com uma belíssima progressão melódica coroada pela voz doce de Raphaelle.
A canção mais arriscada é “Blossoming from Your Shy”, que quebra com a arrumação da produção do álbum até então. Arpeggios de teclas, que parecem gotas de água digitais a cair, são sobrepostos a uma batida esquizofrénica e arrastada, que dá à canção um som mais urbano. Como se isto não bastasse, Raphaelle tenta a sua melhor homenagem a Björk, com resultados mais que satisfatórios.
Por estes exemplos e pelo conjunto do álbum, podemos verificar que a componente musical está bem definida. Por outro lado, a componente lírica poderia estar mais bem desenvolvida. As letras são directas, mas demasiado simples, onde se pedia um pouco mais de complexidade ou onirismo, com metáforas bem aplicadas.
Os curtos interlúdios vão pontuando o álbum com uma leve componente tecnológica, contribuindo bem para a atmosfera do álbum. O mais interessante é, de longe, “Big News”, que é essencialmente uma mensagem de voicemail deixada pela tia de Raphaelle, numa tentativa de usar a tecnologia para estabelecer uma conexão, de uma forma ternurenta e divertida, contrapondo-se à forma como a tecnologia tem vindo a ser abordada ao longo do álbum.
A posição mais franca assumida pelo duo neste álbum é um bom indicador daquilo que poderão fazer no futuro. A forma directa como abordam tanto os temas, como a música, traduz-se num álbum que sabe perfeitamente o que quer transmitir. Tenderness é um álbum que soa leve, divertido e libertador, ao mesmo tempo que apresenta uma melancolia subjacente que o torna mais complexo do que parece.