Tens tudo para ser Papa, só te falta ser homem

Ao segundo dia do Conclave e após quatro votações, o fumo branco saiu por fim da chaminé da capela Sistina. Na Praça de São Pedro, eram milhares os fiéis e crentes que aguardavam, com expectativa, o anúncio do novo Papa. Os 133 cardeias elegeram e surgiu, na varanda central da Basílica, o sucessor de Francisco — o Papa Leão XIV.
Durante estes dois dias, o mundo acompanha, ainda que à distância e de portas fechadas, a escolha do novo líder da Igreja Católica. Pois bem, este é um processo delicado e de profunda reflexão, e que levanta em si questões antigas. Considerando os tempos que correm, entre guerras praticamente mundiais, a crise climática, a intolerância dos líderes políticos, os governos desgovernados e os direitos humanos cada vez menos respeitados, estas questões antigas ganham cada vez mais força e espaço no que é o contexto do mundo atual e do progresso civilizacional. Afinal, por que motivo não podem as mulheres participar no processo de eleição do Papa, ou até mesmo, serem passiveis de ser eleitas Papisa?
A reposta imediata é simples: apenas cardeais têm direito ao exercício do voto no conclave. Mas dar seguimento a esta linha de pensamento torna a resposta complexa: de acordo com o Vaticano, a ordem sacerdotal não pode ser conferida a mulheres.
Ao longo das últimas décadas, têm sido diversas as justificações apresentadas pelo Vaticano para justificar a exclusão das mulheres em diversos cargos da Igreja Católica. Entre elas, destaca-se a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis (Papa João Paulo II, 1994), em que João Paulo II declara que a Igreja não tem autoridade para a ordenação sacerdotal das mulheres. Esta declaração é fundamentada nas raízes do Evangelho e a sua razão é aparentemente de natureza exclusivamente teológica, com base na fidelidade àquilo que se entende ser a vontade de Cristo — Jesus escolheu apenas homens como apóstolos.
Aos olhos da Igreja, não cabe às mulheres a mesma missão dada por Jesus aos homens para evangelizar o povo, ainda que possam sentir que a sua vocação de vida é sacerdotal e de servidão a Cristo, nos mesmos moldes do homem. Mas nem tudo é mau, pois aos olhos da Igreja, as mulheres desempenham papéis fundamentais como missionárias, evangelistas, teólogas e conselheiras. Aos olhos da Igreja, a mulher não pode atuar na pessoa de Cristo (in persona Christi) porque Jesus era homem e o sacerdote deve ser também um homem, de forma a representar simbolicamente Cristo na Eucaristia e outros sacramentos. Mas aos olhos da Igreja, a atuação das freiras nos hospitais, educação e setor social, é imprescindível.
Considerando os avanços históricos no caminho para a igualdade de género, na restruturação de uma sociedade muitas vezes ainda enraizada no machismo, e recordando Papa Francisco em momentos como a sua tolerância e abertura a questões como o casamento de pessoas do mesmo sexo, será que faz sentido que a entidade “Igreja” continue a representar um espaço onde a liderança não pode assumir um rosto feminino?
Após décadas de luta pela igualdade de direitos entre o homem e a mulher, ao dia de hoje, a posição da Igreja Católica, que conta com mais de metade dos fiéis a serem do sexo feminino, mantém-se firme, inflexível e crente: tens tudo para ser Papa, só te falta ser homem.