Tens tudo para ser Papa, só te falta ser homem

por Catarina Mansilha,    10 Maio, 2025
Tens tudo para ser Papa, só te falta ser homem

Ao segundo dia do Conclave e após quatro votações, o fumo branco saiu por fim da chaminé da capela Sistina. Na Praça de São Pedro, eram milhares os fiéis e crentes que  aguardavam, com expectativa, o anúncio do novo Papa. Os 133 cardeias elegeram e surgiu, na varanda central da Basílica, o sucessor de Francisco — o Papa Leão XIV.

Durante estes dois dias, o mundo acompanha, ainda que à distância e de portas fechadas, a escolha do novo líder da Igreja Católica. Pois bem, este é um processo delicado e de profunda reflexão, e que levanta em si questões antigas. Considerando os tempos que correm, entre guerras praticamente mundiais, a crise climática, a intolerância dos líderes políticos, os governos desgovernados e os direitos humanos cada vez menos respeitados, estas questões antigas ganham cada vez mais força e espaço no que é o contexto do mundo atual e do progresso civilizacional. Afinal, por que motivo não podem as mulheres participar no processo de eleição do Papa, ou até mesmo, serem passiveis de ser eleitas Papisa?

A reposta imediata é simples: apenas cardeais têm direito ao exercício do voto no conclave. Mas dar seguimento a esta linha de pensamento torna a resposta complexa: de acordo com o Vaticano, a ordem sacerdotal não pode ser conferida a mulheres.

Ao longo das últimas décadas, têm sido diversas as justificações apresentadas pelo Vaticano para justificar a exclusão das mulheres em diversos cargos da Igreja Católica. Entre elas, destaca-se a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis (Papa João Paulo II, 1994), em que João Paulo II declara que a Igreja não tem autoridade para a ordenação sacerdotal das mulheres. Esta declaração é fundamentada nas raízes do Evangelho e a sua razão é aparentemente de natureza exclusivamente teológica, com base na fidelidade àquilo que se entende ser a vontade de Cristo — Jesus escolheu apenas homens como apóstolos.

Aos olhos da Igreja, não cabe às mulheres a mesma missão dada por Jesus aos homens para evangelizar o povo, ainda que possam sentir que a sua vocação de vida é sacerdotal e de servidão a Cristo, nos mesmos moldes do homem.  Mas nem tudo é mau, pois aos olhos da Igreja, as mulheres desempenham papéis fundamentais como missionárias, evangelistas, teólogas e conselheiras. Aos olhos da Igreja, a mulher não pode atuar na pessoa de Cristo (in persona Christi) porque Jesus era homem e o sacerdote deve ser também um homem, de forma a representar simbolicamente Cristo na Eucaristia e outros sacramentos. Mas aos olhos da Igreja, a atuação das freiras nos hospitais, educação e setor social, é imprescindível.

Considerando os avanços históricos no caminho para a igualdade de género, na restruturação de uma sociedade muitas vezes ainda enraizada no machismo, e recordando Papa Francisco em momentos como a sua tolerância e abertura a questões como o casamento de pessoas do mesmo sexo, será que faz sentido que a entidade “Igreja” continue a representar um espaço onde a liderança não pode assumir um rosto feminino?

Após décadas de luta pela igualdade de direitos entre o homem e a mulher, ao dia de hoje, a posição da Igreja Católica, que conta com mais de metade dos fiéis a serem do sexo feminino, mantém-se firme, inflexível e crente: tens tudo para ser Papa, só te falta ser homem.

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