‘Thawing Dawn’: a construção meticulosa de A. Savage
Para a sua estreia a solo, Andrew Savage afasta-se do pós-punk anguloso da banda pela qual é reconhecido, os Parquet Courts, em direcção a algo mais rootsy, reminiscente da música americana de tempos passados. Fá-lo sem perder a sua individualidade, muito graças à sua voz e dicção inconfundíveis, e ainda a uma intelectualidade muito peculiar, também característica dos Parquet Courts.
Thawing Dawn parece ser o produto de uma construção meticulosa, por parte de um artista que já tem dado suficientes provas de genialidade. Assim, apesar das suas valências como músico serem admiráveis, o mais importante neste álbum é a arquitectação do mesmo. Imagino Savage a distanciar-se da sua própria criação para ter uma visão mais abrangente, de forma a colocar tudo no sítio adequado, agindo como interveniente e supervisor. Apesar disso, o álbum soa natural sem esforço.
“Wild, Wild, Wild Horses” é a jóia da coroa. Um murmúrio grave e uma batida que soa a um metrónomo ancoram a instrumentação minimalista, ao mesmo tempo que uma guitarra dissonante ecoa ao fundo, puxando a canção noutra direcção, sem distrair o ouvinte, e abrindo o espaço em que Savage declama as suas palavras de amor, como se nos falasse ao ouvido. Ao mesmo tempo ampla e intimista, é uma canção apaixonante. E se os nossos ouvidos não nos falham, a última estrofe inclui algo como “Gata (…) Eu te amo, eu te amo tanto and I don’t know what to do”.
As canções sobre aquele omnipresente tema – o amor – pela forma como nos permitem espreitar para dentro da carapaça de mordacidade do artista, acabam por ser bastante cativantes. “Indian Style” impressiona pela afectação na entrega de Savage, que, com uma doçura melancólica, acompanha a melodia abertamente triste. É uma balada introspectiva, com um refrão que apetece bradar a plenos pulmões e nos dá uma réstia de esperança pela personagem perseguida por uma besta menos real que o amor do narrador. “Phantom Limbo” é uma canção ternurenta sobre paixão, pura e dura. O conforto que o objecto do nosso afecto evoca, o sentido à vida que nos parece trazer e aquela idolatria tão bem conjurada em “The shape you take in my dreams/Doesn’t fit my waking world”, referindo-se à imagem que nós próprios criamos da pessoa por quem nos enamoramos.
“Phantom Limbo” é enriquecida por aquele ressoar doce da guitarra, característico da música country, que, de resto, povoa uma boa parte do álbum, adicionando coesão. No entanto, para não guiar o álbum totalmente por essa via country, Savage insere guitarras distorcidas, estruturas composicionais mais complexas e canções mais atmosféricas. Desta atmosfera, a já mencionada “Wild, Wild, Wild Horses” é um bom exemplo, assim como o hino “Untitled”, em que apenas ouvimos um órgão de igreja e o ecoar da voz autoritária do músico, como se fosse um padre repressivo a disparar sentenças do seu púlpito. A sua severidade poderia cair no ridículo, mas funciona, e muito bem.
Em toda a sua meticulosidade, seria de esperar alguns tiros ao lado. Esses residem em duas tentativas de complicar o álbum, o que acaba por não funcionar bem. “What Do I Do” faz em 8 minutos aquilo que poderia fazer em menos. A estrutura vagarosa e repetitiva por vezes torna-se cansativa, com as suas trompetes compassadas e pontes de guitarras distorcidas. A última canção, que dá título ao álbum, é uma rapsódia de diferentes andamentos e ambientes, composta por várias mini-canções em apenas 5 minutos. Todas elas soam bem, mas não têm força suficiente para criar uma impressão duradoura. Queria-se algo mais concentrado para terminar o álbum, se bem que a leveza que transmite tem o seu mérito.
Thawing Dawn prova que a prolificidade de Andrew Savage não é vazia. Numa altura em que tantos artistas se aventuram a solo e se descobre que afinal não têm tanto para dizer como nas suas bandas correspondentes, é refrescante ver o desenvolvimento de um artista como este, que nos assegura que podemos confiar nas suas criações musicais.