The Black Mamba e o Festival da Canção
No passado sábado, Portugal ficou a saber qual será o seu representante na Eurovisão de 2021. Com um total de vinte pontos, The Black Mamba foram os grandes vencedores do Festival da Canção deste ano, com a música “Love is On My Side”.
A vitória gerou polémica um pouco por todo o lado (incluindo nas redes sociais). Apesar de a canção ter sido a segunda mais votada tanto pelo júri como pelo público, a verdade é que rapidamente circularam inúmeros comentários que mostravam descontentamento com o facto de o país ser representado na prova internacional com uma música que não em língua portuguesa. A isto acresce o facto de, segundo dizem, Portugal nunca ter levado uma música cantada em inglês ao certame.
Na verdade, isso não corresponde totalmente à verdade. Em 2005, por exemplo, com interpretação de Luciana Abreu e Rui Drummond, a música “Amar” já continha alguns versos em inglês. No ano seguinte, as Non Stop também representaram Portugal na Eurovisão com “Coisas de Nada”, apresentando um refrão cantado integralmente em inglês. Se recuarmos umas décadas, já José Cid tinha, em 1980, com a sua canção “Um Grande, Grande Amor”, levado um refrão cantado em diferentes idiomas. A sua prestação teve, de resto, uma excelente pontuação no concurso. O próprio chegou a afirmar que apenas não venceu a Eurovisão desse ano porque o país não tinha estrutura para organizar o evento no ano seguinte.
Deste modo, não será a estreia de Portugal a cantar na sua língua não materna na Eurovisão. Contudo, é a primeira vez que é representado com uma letra totalmente cantada em inglês. Ainda assim, as críticas geradas merecem uma reflexão. Compreendendo eu que cause alguma estranheza aos mais conservadores tal seleção, a verdade é que o Festival da Canção serve sobretudo para premiar e dar a conhecer artistas portugueses e a sua obra. Ora, sabemos que muitos cantores nacionais optam por criar canções na sua língua não materna, e não é por isso que devem ser alvo de repúdio. Na verdade, há muito boa música a ser feita em Portugal que não é cantada em português, e não é por isso não que deve ser devidamente apreciada.
O único vencedor português da Eurovisão, Salvador Sobral, disse também há pouco tempo, em entrevista concedida ao programa Isto é Gozar Com Quem Trabalha, que o idioma é como “os pedais de um guitarrista”, e que o que gosta mesmo é de cantar, independentemente da língua, e a verdade é que o idioma deve funcionar como uma parte de toda a arte que é a música, e não como um todo. A mensagem que é passada é importante, mas pode ser cantada noutra língua que não a nossa, até porque línguas diferentes oferecem vocábulos diferentes.
No caso de “Love is On My Side”, Tatanka já veio confessar que a letra se inspira numa senhora que conheceu na Holanda e que lhe confessou que tinha muito cedo abandonado o seu país em busca de sonhos, e que acreditava que o amor estava sempre do lado dela. O sonho do vocalista dos The Black Mamba era que esta senhora reconhecesse o intérprete e a história, uma vez que Tatanka nunca mais soube nada sobre ela. Como podemos ver, há histórias bonitas que podem ser cantadas noutras línguas.
Com tudo isto, não estou a desvalorizar a nossa língua, que é belíssima. Apenas considero que não nos devemos deixar de sentir representados apenas porque a canção que levamos é cantada em inglês. É preciso ter em conta o contexto para onde a música é enviada, um concurso internacional onde a língua inglesa é muito mais facilmente compreendida. Não quero dizer que será por isso que a nossa prestação será boa, até porque a música está atualmente mal cotada nas Casas de Apostas. Mas quantas vezes não tivemos prestações bastante más cantando em português? Contam-se pelos dedos das mãos as vezes que Portugal se apurou para a final da Eurovisão. Arriscar uma vez não faz mal nenhum.
Para concluir, gostaria apenas de deixar também uma referência à outra música cantada em inglês no Festival da Canção. Neev (ler entrevista), que para muitos poderia ser desconhecido até aqui, apresentou uma música lindíssima, intitulada “Dancing in the Stars”, com uma mensagem muito forte e que certamente também dignificaria o país no estrangeiro. Apesar da má votação do júri regional, o público considerou ser a sua preferida, tendo levado os doze pontos. Como disse acima, o Festival da Canção serve também para dar a conhecer ao país novos músicos portugueses com valor, e Neev foi um excelente exemplo disso. De resto, dar os parabéns aos The Black Mamba e desejar toda a sorte do mundo na Eurovisão. O seu sucesso será o sucesso de Portugal e dos portugueses.