‘The Eyes of My Mother’, uma pedrada no charco do cinema de terror
Num género sobrelotado como o de terror, a marca estilística do criador torna-se na distinção essencial que separará o “trigo do joio”, seja pela história ou pela forma como esta é contada. Assim acontece neste The Eyes of My Mother, a primeira longa-metragem de Nicolas Pesce. Trata-se de um filme com uma realização sem medo, seja em colocar o cunho estritamente pessoal na sua primeira obra, seja em deixar perguntas por responder – uma ousadia tantas vezes evitada em detrimento de um facilitismo melhor aceite aos olhos da maioria dos espectadores.
Kika Magalhãs (Francisca), portuguesa, é a protagonista com a qual The Eyes of My Mother ganha um toque de realismo que o eleva a um nível superior quando comparado com outras obras. A sua beleza quase fantasmagórica, aliada a uma ingenuidade necessária à personagem – tão bem transmitida por Kika – faz com que acreditemos no que se passa em ecrã, um cuidado que é quase impossível de ter em cinema mais mainstream pelo afastamento que a falta de intimidade das obras provocam e que tanto valor lhes retira.
The Eyes of My Mother lida carinhosamente com o grotesco – a imagem de um cadáver a ser lavado numa banheira cheia de leite, além de possuir uma beleza poeticamente negra, é sinal disso mesmo. Para isso, obviamente que a escolha pelo preto e branco ajuda na criação do ambiente exigido, mas se o resto não funcionasse, esse seria mais um erro, em vez da acertada escolha que acabou por ser. Além disto, e contribuindo a um saudosismo para o qual as acções da protagonista conduzem, temos também a voz de Amália Rodrigues, com uma aura tão própria, que só o fado, pela sua voz, consegue transmitir.
Não é fácil acrescentar algo de novo a um género onde facilmente se apontam clichés como forma de descrédito por si só. É, por isso, assinalável este à-vontade com que Nicolas Pesce pega em elementos cujas referências podemos facilmente apontar e lhes dá uma roupagem própria, sua. De ligações a Psycho até uma fixação ocular manifestada pelos cortes em planos próximos, a fazer lembrar a ousada curta colaborativa entre Luís Buñuel e Salvador Dali em Un Chien Andalou, as fontes de onde Pesce bebe, manifestam-se, mas não sem antes lhes ser dado um cunho pessoal por parte de alguém que sabe perfeitamente o que quer do seu filme e o sabe conduzir até ao resultado pretendido.
É neste limbo entre o toque autoral em lugares comuns do género que se encontra a sintonia que faz The Eyes of My Mother funcionar. A originalidade, objectividade, o toque experimental e a aceitação prévia de que apesar de influenciado, o seu cinema pode de facto ser seu, torna este filme num espectáculo de brutalidade que acaba por se tornar nalgo fresco num género em que isso é tão necessário para que a própria obra possa sobressair.
The Eyes of My Mother estreia esta semana nos cinemas, estando também disponível na plataforma Filmin a partir de 2 de Março.