“The Good Place” e o politicamente correcto
“The Good Place” é actualmente a minha comédia favorita. Se já a conhecem sabem do que falo, se não, qualquer coisa que diga será um spoiler.
O que vou descrever de seguida não é spoiler nenhum. É uma situação comum na maioria das séries de televisão e filmes que nos chegam dos Estados Unidos. No último episódio, os argumentistas de “The Good Place” precisavam de caracterizar rapidamente um personagem como um parvalhão insensível, conservador e misógino. Fizeram-no queixar-se que as acusações de assédio de que tinha sido alvo não passam de «PC bullshit», ou seja que se tratava de «tretas politicamente correctas».
Alguém criticar o politicamente correcto numa série, filme ou livro vindo dos Estados Unidos é sinal seguro de conservadorismo. Quando é usado como auto-descrição, sinaliza, na melhor das hipóteses, que alguém é contra o feminismo, que acha racista o activismo anti-racista, que o objectivo do activismo LGBT é oprimir a masculinidade heterossexual, etc.
Alguém criticar o politicamente correcto num programa de debate, numa coluna de jornal ou num livro em Portugal é mais ou menos o mesmo. É banal. Encontrar alguém que seja a favor é difícil. A prova: quando o Público quis encontrar em 2016 alguém que tivesse uma perspectiva positiva do politicamente correcto vieram falar comigo. Calculo que não tenham encontrado filósofos, humoristas, políticos ou comentadores.
Eu próprio faço uma espécie de festa quando alguém se assume: o André Barata é a favor, o Miguel Esteves Cardoso converteu-se, deixando o Bruno Nogueira boquiaberto. É muito raro. É mais comum haver gente ser acusada de ser politicamente correcta do que assumir-se como tal.
O mais corriqueiro é assistir-se a programas de tv onde toda a gente é contra: no Governo Sombra, por exemplo, é o que os une.
Anda-se a discutir o que têm em comum o Daniel Oliveira, o Ricardo Araújo Pereira e a extrema direita. O laço mais óbvio é a crítica ao politicamente correcto. Eles, como praticamente todos os comentadores de jornais e tv, acham que o que chamam de políticas de identidade são um perigo, todos já denunciaram as consequências da ideologia de género, todos já defenderam a liberdade de expressão da extrema direita, todos já concordaram que os anti-racistas são tão extremistas ou mais do que os racistas, etc.
Em Portugal, há uma cultura anti-politicamente correcta dominante. Não há nada que lhe oponha um discurso alternativo. Todos os programas de televisão são, por defeito, anti-PC. Todos os jornais são anti-PC. Até boa parte da esquerda clássica é, por ironia das siglas, anti-PC.
Para haver alguma esperança de combater a extrema direita seria preciso toda uma cultura, que pura e simplesmente não existe.