‘The Now Now’, dos Gorillaz, é uma brisa fria de Verão
Ao longo dos seus dezoito anos e seis álbuns de existência, os Gorillaz sempre tentaram trazer um pouco do seu universo para o nosso mundo. A banda virtual criada por Damon Albarn e Jamie Hewlett – composta por Noodles na guitarra, Russel na bateria, Murdoc no baixo e 2-D nas teclas e voz – mostra as suas peripécias ao som de composições musicais que misturam géneros e devolvem uma sonoridade pop apelativa. Na maioria dos seus projectos, a música e imagem estão ao mesmo nível, numa simbiose que constrói uma história que tem vindo a decorrer desde o primeiro álbum do grupo.
Há momentos em que essa união é menos aparente, como em The Fall, um modesto projecto produzido por Albarn num iPad durante uma tour, sem grandes mudanças na vida animada dos quatro personagens. The Now Now é parecido a esse álbum, mas tem as suas diferenças: por um lado surge de um gosto especial que Albarn tem por fazer música nova e estreá-la de forma quase simultânea; por outro mostra novos desenvolvimentos na história deste quarteto de desenhos. Depois da difusa festa para celebrar o fim do mundo que deram em Humanz, este novo projecto aponta para uma perspectiva focada em cada momento que surge depois de tudo o resto acabar, ou depois de um dos membros da banda ir parar à prisão: Murdoc foi incriminado pelo misterioso El Mierda por crimes de contrabando e encontra-se preso em Londres.
Este acontecimento tem impacto na música: ao longo do projecto vemos uma dualidade do novo líder da banda, a começar com “Humility”, a faixa que inicia o álbum e que dá mote a um Verão que, pelo menos por cá, teima em não chegar completamente. Sob uma atmosfera de brisa calorenta que se destila no meio de sintetizadores e guitarradas com pinta, 2-D canta sobre a dúvida entre reconstruir algo em cacos ou seguir em frente sem olhar para trás. Em “Kansas”, ouvimo-lo lutar contra uma tristeza, assertivo de forma incerta, no meio de um instrumental tristonho de baixo envolvente; é uma música que mostra um lado mais sentimental e fragilizado do vocalista.
Em “Fire Flies”, essa tristeza e saudade mostram-se na sua forma mais clara. Adornada por uma voz monotónica de 2-D, a música é mais um bom exemplo da paisagem digital que este álbum transmite, reminiscente da restante discografia de Gorillaz. Mas ao contrário do projecto anterior da banda, essa paisagem digital é mais concreta e não de celebração, ainda que haja momentos – como a curta “Tranz” ou a cintilante “Lake Zurich”, que são temas fortes com uma ginga electrónica – que conseguem deixar qualquer um a dançar e relembram o clima de festa de Humanz.
The Now Now soa mais contido e menos inchado que esse lançamento, e a ausência de colaboradores na maioria das músicas – com excepção do guitarrista George Benson, em “Humility”, e Snoop Dogg e Jamie Principle nos deveres vocais da discreta e dançável “Hollywood” – certamente contribui para esse facto. Mas ainda que este trabalho soe mais unido, as músicas não soam tão polidas ou melodiosas como Albarn já demonstrou ser capaz de fazer. Há músicas que são pouco concretas, como a morna “Sorcererz” ou a passageira “Magic City”, e alguns temas destoam da estética e sonoridade mais electrónica do álbum, como “Idaho” ou a efémera “One Percent”, de ambientes sonoros guiados pelo som de uma guitarra.
Em “Souk Eye”, a guitarra e o mundo digital unem-se num dos melhores momentos do projecto, que encerra o álbum com grande energia. O tema é banda sonora para um pôr-do-sol de um dia quente fustigado por um frio repentino, vindo do vocalista e do seu cantar melancólico. The Now Now é também assim, apenas um momento e não algo mais grandioso. Consegue iniciar uma nova fase da vida desta banda virtual ao som de algumas músicas que mostram a efervescência da sua sonoridade; mas, no final de tudo, passa suavemente, é uma brisa mais fria do universo dos Gorillaz para o Verão do nosso mundo.