‘The Post’: apesar de agradável, é um filme irrelevante do ponto de vista criativo

por David Bernardino,    20 Fevereiro, 2018
‘The Post’: apesar de agradável, é um filme irrelevante do ponto de vista criativo
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Depois de Spotlight, é Spielberg a filmar os bastidores da imprensa com esta adaptação do processo de publicação de documentos sigilosos sobre a Guerra do Vietname pelo Washington Post, nos anos 70. Chegámos a um ponto em que ver Spielberg, ou qualquer outro realizador na veia do cinema comercial norte-americano de qualidade, a dirigir Meryl Streep ou Tom Hanks, e aqui ambos, se tornou um mero exercício de rotina, uma espécie de “vamos lá fazer um filme sobre isto”, mais ou menos actual, com mais ou menos crítica social e política. The Post vem na mesma linha de filmes como Lincoln, Bridge of Spies, War Horse ou mesmo Munich: um entretenimento inspirador, disfarçado de recriação dramática. O problema é que The Post só é bom entretenimento a espaços, e o interesse que Spielberg tem conseguido imprimir aos seus filmes mais recentes tem vindo a decrescer.

Assistir ao The Post é difícil para o espectador se libertar da ideia de que ali está Meryl Streep a fazer de algo, ao invés de reconhecer uma personagem por si só, o mesmo acontece com Tom Hanks. Os veteranos actores, e principalmente Streep, tornaram-se já um símbolo de qualidade e, daí, quase inquestionável, como se fosse desnecessária a exigência para com as suas interpretações tal é o estatuto já alcançado pela actriz, que ano após ano soma nomeações para os Óscares seja com que filme for, seja ela uma Bianca Castafiore falhada em Florence Foster Jenkins, ou seja uma bruxa má num filme medíocre como Into the Woods. Em The Post, ao interpretar uma milionária dona, por via das circunstâncias, do importante jornal Washington Post que tem que tomar determinada decisão de superior interesse da nação vs liberdade de imprensa, Streep não se despega nunca da sua própria imagem contemporânea, de uma teatralidade forçada, nem de uma mensagem de elevação feminina que parece ter sido apresentada por requerimento.

Por outro lado, a actual Hollywood das passadeiras vermelhas tem-se ultimamente preocupado mais em fazer política e crítica social do que bons objectos fílmicos, raramente conseguindo juntar os dois. Um bom tema ou uma boa mensagem nem sempre é sinónimo de um bom filme. Em The Post essa principal mensagem é o paralelismo que é feito entre a administração Trump e a sua “guerra” contra a comunicação social e aquela que foi feita por Nixon antes de rebentar o escândalo Watergate. No entanto, o transporte dessa mensagem para a longa metragem, “trocada por miúdos”, não é mais do que o momento da decisão de publicação de determinado conteúdo governamental sigiloso, sofrendo de excessivo arrastamento e dramatização, que não se coíbe de usar e abusar da sala de montagem para criar interesse e atenção artificiais sobre um momento que, sem adornos, não os teria.

Por tudo isto, apesar de agradável, The Post é um filme irrelevante do ponto de vista criativo. Compará-lo ao brilhantismo dos diálogos de Os Homens do Presidente ou o suspense pragmático de Spotlight é uma afronta. Não estão sequer no mesmo campeonato.

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