“The Red Suitcase”, de Cyrus Neshvad, estreia em Portugal no Leiria Film Festival

por Miguel Rico,    17 Abril, 2023
“The Red Suitcase”, de Cyrus Neshvad, estreia em Portugal no Leiria Film Festival
“The Red Suitcase”, de Cyrus Neshvad
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Este artigo pode conter spoilers.

O festival de cinema decorrerá, entre os dias 10 e 15 de maio. A 10.ª edição do Leiria Film Festival e a programação traz novidades nacionais e internacionais e a seleção oficial do evento conta com um total de 55 filmes, entre os quais, 14 estreias nacionais, 2 europeias e 6 estreias mundiais. 

Entre os oito selecionados para a Competição Internacional, encontra-se “The Red Suitcase”, uma curta-metragem de Cyrus Neshvad, nomeada ao Óscar de Melhor Curta-Metragem Live-Action, que acompanha a chegada de uma jovem iraniana ao aeroporto do Luxemburgo. 

São quase 00h:30 no aeroporto do Luxemburgo, um pequeno trolley vermelho circula nos tapetes, é a única bagagem de porão restante. Em pé, estática, com uma expressão de pânico e indecisão, uma jovem, trajada com uma hijabe, aguarda em silêncio. O seu nome é Ariane, tem 16 anos e, como descobrimos mais tarde, tem um grande talento para a ilustração e para a pintura. À entrada do aeroporto, quem a espera não é a sua família, mas antes o seu pretendente, um homem mais velho, prometido por um casamento combinado entre famílias. Nesse momento, compreendemos a apreensão e a relutância em sair da zona de “chegadas”. 

https://www.youtube.com/watch?v=6w-ioMn3vf0&ab_channel=FilmAffinity

Para passar despercebida aos olhos do seu prometido marido, Ariane libertar-se-á da hijabe, mas existe algo que a compromete: a sua mala vermelha.   Acompanhamos a jovem protagonista enquanto ela tenta escapar ao reconhecimento do seu futuro marido que, cansado e enfurecido, a procura incansavelmente e assistimos, assim, a como essa busca se acaba por tornar numa perseguição.

Este pequeno-grande filme serve-se de um dos princípios mais fundamentais do cinema de Hitchcock para estender um fragmento de “ficção” à dimensão dramática de uma longa-metragem. Diria o mestre britânico que, para que uma cena de suspense perdure mais do que a sua própria duração, é fundamental dar ao espectador um conhecimento superior — saber que uma bomba se encontra debaixo da mesa de jantar, torna uma refeição monótona numa experiência inquietante. Nesta curta, Neshvad serve-se dessa dilatação do tempo hitchcockiana para expor uma realidade social iminente através de uma tensão cinematográfica pulsante. Sabemos que Ariane terá que casar com um homem mais velho contra a sua vontade, que teme o futuro e, agora, as consequências de ter tentado escapar, sabemos, ainda, que ambiciona algo melhor para a sua vida, ou, pelo menos, que espera poder continuar a trabalhar na sua arte. Desta forma, o realizador serve-se das convenções do género narrativo, da encenação e do ritmo de um thriller para tentar retratar o sentimento de opressão das mulheres do Irão. “Não o fiz [o filme] por glória, fi-lo para chamar a atenção sobre este tema.”, refere o realizador em muitas das entrevistas que realizou após ter sido nomeado ao Óscar. 

“The Red Suitcase”, de Cyrus Neshvad

Poucas são as falas da protagonista, pois, tratando-se de uma curta-metragem, o filme atinge-nos através da ação e não tanto pela exposição discursiva. Contudo, a jovem atriz, Nawelle Evad, parece apelar-nos pelo do olhar, através de um autêntico monólogo sobre opressão e justiça social. No seu semblante, existe a inocência, o terror, a vontade, a coragem, o ceticismo e a astúcia, muitas vezes, em simultâneo. Uma performance onde é possível encontrar o derradeiro mote “show don’t tell” na expressão, ora carregada e audaz, ora ligeira e subtil, de uma atriz promissora. 

O final da curta, que tanto possui de pertinente, quanto de perturbador, deixa uma mensagem universal e recorda que a opressão das mulheres não ocorre, somente, no Irão e que, mesmo no mundo ocidental, a figura feminina continua a servir um (des)propósito.

Através da ambiguidade de um falso sorriso, da dor e do medo, escondidos à vista de todos, Neshvad aponta o dedo ao male gaze e ao controlo capitalista que, ao contrário deste breve filme, prezam a forma, mais que o conteúdo. O realizador deixa-nos um caminho, para percorrermos com a jovem protagonista e dá início um novo debate: até que ponto somos realmente livres se, por negligência ou convicção, optarmos por não ver as amarras que nos subjugam a todos, ainda que por formas diferentes? 

“The Red Suitcase” é uma das estreias a não perder no Leiria Film Festival. Para mais informações sobre a programação e a Seleção Oficial é possível consultar a lista de filmes no site oficial do festival.

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