“The Suicide of Rachel Foster”: hotéis não esquecem contos
The Suicide of Rachel Foster é o jogo de aventura dos italianos da ONE-O-ONE Games. Com claras inspirações em The Shining, este thriller psicológico imbuído de drama familiar acerta no ambiente mas falha no tratamento dos seus temas.
A história de mistério fortemente amarrada à sua ambientação é bastante medíocre. Apesar de um início forte e de uma reta final bem integrada, o desenvolvimento é puxado a ferros e o final é desconexo, com o fim condutor a ganhar imenso problemas de ritmo nos minutos finais. A identidade da protagonista é largamente ignorada no fim e torna-se claro que o jogo precisava de mais tempo para conseguir manejar os eventos conclusivos da aventura e gerar o final que tem. Os diálogos, que compõem a maior parte do jogo, têm mais valor quando se afastam do centro da narrativa ou quando se acumulam para revelar algo do que quando são feitos para desenrolar o percurso da história e guiar a jogabilidade. Fora isso, há ainda uns erros ortográficos no inglês que escaparam à revisão, um plot device preguiçoso no início que é magicamente esquecido, personagens que beneficiavam em ter mais desenvolvimento (como a própria Rachel Foster do título) e alguns eventos baratos para nos deixar assustados, muitos deles subdesenvolvidos narrativamente.
No que à jogabilidade diz respeito, o jogo porta-se bem. A movimentação é fluida, tendo inclusive o auxílio de uma opção de sprint bem ajustada. O que podemos fazer no jogo não vai muito além da interação básica com portas e objetos, muitos dos quais podemos examinar para descobrir uns mínimos detalhes sobre a história. Outras mecânicas do jogo incluem usar uma lanterna a dínamo e/ou uma câmara polaroide para iluminar os caminhos mais escuros e detetar ruídos com um microfone para progredir e navegar pelo hotel à procura de objetos ou lugares específicos. Percorrer o hotel é uma das partes mais interessantes do jogo, já que o design de níveis é competente e é-nos possível ir decorando os cantos à casa e deixar de lado o mapa (já de si pouco útil). Este processo permite-nos encarnar melhor a protagonista, pois espelha a expansão gradual do seu conhecimento da planta do hotel, proveniente da infância passada lá. Os momentos mais fortes do jogo residem nas secções mais assustadoras com pouca luz e na curta cena de detetive, que não tem interação praticamente nenhuma por parte do jogador — um puzzle mais complexo com os factos da história que reunimos nessa cena seria um oásis no jogo. Existem também escolhas de diálogo, mas são todas irrelevantes e esquecíveis.
Criado em Unreal Engine, The Suicide of Rachel Foster está bem cuidado graficamente. Os reflexos são um primor, os materiais como o vidro ou o mesmo as capas envernizadas das revistas chamam a atenção, a iluminação é boa, as texturas são impecáveis e, paralelamente, elogie-se o sistema de física também. Pelo outro lado, as animações não são as melhores, a modelagem da mão da protagonista é irregular, oscilando em qualidade conforme a perspetiva; o fumo afeta muito a performance; no terceiro capítulo há uma certa instabilidade na cadência de fotogramas e, embora bom, o efeito de desfocagem leva algum tempo a adaptar-se ao ponto de foco da câmara.
A construção do cenário foi bem executada e os excelentes adereços, mesmo que se repitam um pouco, são variados e convenientemente usados no geral, ainda que levantem algumas expetativas em vão e saltem muito à vista, lembrando parcialmente o conceito da “arma de Tchekhov”. Para o tipo de jogo que é, transmite pouco pelo espaço, pelo que a comunicação verbal é uma bengala demasiado vincada. O hotel é bastante grande mas nunca deixa de ser claustrofóbico. Existem vários quartos exploráveis, atalhos escondidos, zonas reservadas ao final da história e até uma igreja.
Relativamente ao som, a sonoplastia tem muita qualidade, contudo, o seu uso é duvidoso, com sons utilizados forçadamente para assustar o jogador, como os canos que rangem ruidosamente do nada. Esse efeito tem até algum proveito, mas, com a descontextualização e a falta de dinamismo, é demasiado saliente e desconcentrante. A música de Federico Landini é boa e faz lembrar tenuemente o trabalho de Gustavo Santaolalla em The Last of Us, porém, o tema principal está presente demasiadas vezes, aliás, a música repete tanto que até se mantém mesmo quando uma nova música se reproduz, ficando duas faixas a tocar ao mesmo tempo. Ouve-se tanto o mesmo motif que custa a acreditar que a banda sonora oficial tem mais faixas. As prestações vocais, não sendo perfeitas, são bastante competentes, sobretudo a da protagonista Nicole (Kosha Engler).
The Suicide of Rachel Foster aborda alguns temas interessantes, mas opta por explorar os mais óbvios e fazê-lo de uma forma desengonçada. A narrativa medíocre, de final pobre, embora consiga manter o jogador imerso na aventura, prejudica a experiência geral, visto ser o foco do jogo. O grafismo bastante bom, ainda que imperfeito, e a ambientação bem conseguida não salvam o título da ONE-O-ONE da mediania. Quem estiver à procura de um thriller de mistério assente numa boa produção audiovisual e numa história simples de despertar a curiosidade poderá dar uma hipótese.