‘The Terror’ é uma reflexão sobre a crueldade humana intrínseca no seu instinto animal
Ao longo da sua história o ser humano sempre procurou descobrir o que estava “mais além”. Apesar do motivo principalmente ser quase sempre financeiro, a verdade é que há algo mais profundo e comum entre todos nós, um forte desejo de nos descobrirmos através dos desafios e de uma certa ambição em elevarmos os nossos limites “mais além”.
Se por um lado esta expansão sempre se efectuou por motivos territoriais e financeiros, por outro a busca da nossa identidade enquanto seres humanos levou todo o tipo de pessoas a desafiar a vida, a morte e o que há além dela.
The Terror fala sobre o vazio que existe entre a vida e a morte, mais propriamente sobre a aceitação de que o ser humano quando exposto a situações cruéis, animais e sem estrutura social, se torna o maior de todos os monstros.
A série, produzida por Ridley Scott, começa de forma algo lenta, sem que prenda propriamente o espectador a qualquer momento de suspense ou curiosidade. Esse é talvez o aspecto mais “negativo” da série. Não existem muitos cliffhangers (“à beira do precipício”) no final dos episódios e a narrativa avança de forma peculiar, quase como se toda a série se tratasse de um filme continuo e não de vários episódios.
Os primeiros episódios apresentam os personagens principais, mas não introduzem todos aqueles que vão ter bastante impacto na história ao longo dos 10 episódios. John Franklin (Ciarán Hinds) e Francis Crozier (Jared Harris) são os protagonistas dos primeiros episódios e claramente os motores de toda a narrativa, cada um comandando o seu navio, reflectindo duas personalidades quase opostas e que chocam diversas vezes.
The Terror aprofunda bastante o seu tema principal: inicialmente sentimos o terror que é ficar preso no gelo com dois barcos gigantescos, sem ter a clara noção se a melhor decisão é esperar que o tempo melhore, que alguém nos venha buscar ou partir em busca de ajuda. De seguida sentimos o terror de uma ameaça mais imediata, um “monstro” que aterroriza a tripulação e começa a matar pessoas sem que seja praticamente visto. A história avança e começamos a desvendar segredos e interacções aterrorizantes entre personagens, medos, confissões e decisões. O clima de terror esta implícito praticamente em qualquer situação, desde o momento em que a tripulação decide abandonar os navios para organizar uma festa até ao momento em que decidem procurar ajuda no vasto vazio do árctico.
Conforme a narrativa vai avançando também os personagens vão evoluindo e crescendo, principalmente Cornelius Hickey (magnifica interpretação de Adam Nagaitis), Harry Goodsir (Paul Ready) e James Fitzjames (Tobias Menzies), entre outros. De destacar inúmeras cenas de Mr Hickey no qual o actor nos apresenta um personagem complexo e bastante lunático.
Esta não é uma série fácil de digerir, pelo contrário, a forma como o canibalismo e a natureza humana, aliada a um instinto animal quase natural, são demonstrados são aterradores e isso persegue-nos sempre que nos lembrarmos dos mesmos. Não há espaço para alegria, para ilusões ou esperança, The Terror explora o pior que existe dentro do ser humano e mostra-o de forma tão real e crua que nos chega a questionar “O que farias se estivesses nesta situação?“. Quase de forma pessoal pergunta-nos se faríamos diferente do que aqueles personagens fizeram e é a elaboração de uma possível resposta que faz crescer o sentimento de terror dentro de nós, os espectadores.
Ao longo dos dez episódios a cultura dos esquimós e do povo do ártico é explorada através da personagem de Lady Silence (Nive Nielsen) e de alguns dos seus semelhantes. A mitologia explorada apresenta-nos um povo bastante ligado à natureza e aos espíritos, principalmente a pequenos simbolismos e aos seus Shamans, combinando toda esta temática com o tal referido “monstro”, que se apresenta em forma de urso polar com parecenças humanas.
A evolução do personagem Francis e toda a sua relação com os seus companheiros é bastante dramática e faz-nos apaixonar pelo seu humanismo e bondade, sendo que um dos pontos fortes da série é a forma como se consegue transfigurar de algo que inicialmente não explorava assim tanto o lado humano para algo que nos dá o pior e melhor do ser humano no seu estado mais puro. Esta análise pessoal de carácter e evolução é quase caso para estudo, demonstrando uma grande qualidade por parte do seu criador David Kajganich em analizar comportamentos humanos.
The Terror não é uma obra-prima técnica. Podia ter planos mais elaborados, apesar de ter momentos bastante intensos, principalmente graças uma excelente montagem e luz, mas não é de todo uma série comparável tecnicamente a, por exemplo, True Detective (primeira temporada). Contudo, a narrativa original, os personagens apaixonantes e cativantes e a exploração de uma história diferente, real e bastante dura, tornam-na numa das melhores séries dos últimos anos. Não vai ser uma viagem nada fácil para nenhum espectador, mas no final valerá a pena, mesmo que a conclusão seja que o ser humano é o mais cruel de todos os animais, até mesmo do que um urso polar fantasmagórico.