‘The Wailing’, uma obra-prima do thriller sobrenatural
Havia muita expectativa para este ‘The Wailing’ que não só foi correspondida como ultrapassada, e a prova disso é a sua estreia em sala em Portugal dois anos depois da sua estreia no festival de cinema Motelx, algo que raramente, para não dizer nunca, acontece. E não devemos falar dele de forma leve. Estamos perante um dos melhores thrillers sobrenaturais jamais realizados e há que dizê-lo sem pudores. O realizador sul-coreano Hong-jin Na já havia dados provas fortíssimas da sua habilidade com o seu primeiro filme, ‘The Chaser’, um thriller policial que, libertando-nos das regras desse género no cinema americano, conseguia olhar olhos nos olhos portentos como ‘Se7en’ de David Fincher. Com ‘The Wailing’ o realizador mantém a fórmula base, mas adiciona-lhe o ingrediente do mistério sobrenatural, o que faz toda a diferença e eleva a linguagem do seu cinema de género para algo com assinatura de autor, um sentimento orgânico tão raramente sentido nessa corrente pejada de clichés e linguagem cinematográfica derivativa.
Na história de ‘The Wailing’ seguimos a personagem principal, habilmente interpretada por Do Won Kwak, um polícia de uma pequena vila sul coreana que é trapalhão, cobarde, mas com um coração grande, que se vê deparado com uma série de mortes inexplicáveis e violentas na sua vila que começam a ocorrer após um solitário japonês (outra enorme interpretação, de Jun Kunimura) se ter mudado para as redondezas. O filme, de cerca de duas horas e meia, progride a um ritmo progressivo exacto, qual relógio suíço, num misto de influências que vão da comédia do cinema familiar, do trabalho e da relação com o polícia parceiro, ao adensar de um mistério surreal, mas ao mesmo tempo real, explorando os medos e crenças de cada um, e aqui desta pequena comunidade sul-coreana, analisada como se de um aquário se tratasse.
Para além de tudo isso, há algo de estranhamente realista na teia de originalidade que pauta o argumento de “The Wailing”. O comportamento das suas personagens, a actuação da polícia, as suas famílias, as suas fragilidades e medos, a chuva, os automóveis, as refeições… Parece que Hong-jin Na tem essa preocupação, de trazer o espectador a um filme fantasioso que talvez, quem sabe, até pudesse ser real. Já havia essa sensação em “The Chaser”, mas aqui o prazer é diferente. “Temos um mistério para resolver!”, pensamos. E tudo isto podia ser aborrecido num filme tão longo, mas não é. Nunca! “The Wailing” vai-se renovando, inicialmente é uma comédia leve, encaminhando-se pé ante pé para um horror sufocante, com inúmeros elementos de folclore local que dão ainda mais conteúdo e interesse à trama. Tudo isto se alia a uma cinematografia riquíssima, numa boa variedade de cenários, com planos meticulosamente construídos, objecto por objecto, e há um detalhe visual delicioso que quase o conseguimos cheirar, piscando o olho, de forma bem mais comercial está claro, à componente visual do cinema de Hou Hsiao-Hsien (“A Assassina”, 2015). Não há nada de negativo a apontar nesta experiência complexa e atordoante que sabe exactamente aquilo que está a fazer. Foi para filmes como “The Wailing” que nasceu o cinema de entretenimento.