“This Old Dog”: Mac DeMarco mais triste do que nunca

por Tiago Mendes,    9 Maio, 2017
“This Old Dog”: Mac DeMarco mais triste do que nunca
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Mais maduro e melancólico. Não é que o músico canadiano, com uma das comunidades de fãs mais jovens e descontraídas do panorama indie, nunca se tenha aventurado por estas sonoridades. Mas agora explora-as ao longo de praticamente todo um álbum, servindo-se não só dos seus estranhos acordes como também da produção discretamente assombrada.

Falamos de uma carreira que, de alguma forma, é inseparável do Verão. Já ‘2’ (2012) tinha introduzido essa paisagem. Mas ‘Salad Days’ (2014) é a banda sonora do ócio estival, por excelência: guitarras, amigos e praia. Talvez porque a guitarra de Mac DeMarco nos sugere um contexto informal; porque o músico se faz amigo de quem o ouve; e a praia, essa, vem por arrasto. A fotografia à beira-mar na capa de ‘Another One’ (2015), o EP que antecedeu este novo álbum, retrata da melhor forma esta imagem; assim como o videoclip, sempre ao melhor estilo do músico. Como é possível ser-se simultaneamente ridículo, divertido, depressivo e motivador?

‘This Old Dog’, o álbum lançado na passada sexta-feira, é a mistura equilibrada entre um primeiro Mac, acústico, e um segundo, electrónico. ‘Chamber of Reflection’, em ‘Salad Days’, terá sido, porventura, a primeira música a sugerir os novos trilhos musicais que a sua carreira poderia vir a evidenciar. ‘Another One‘ – e, principalmente, o mais desconhecido (mas não menos bom) ‘Some Other Ones‘, vieram provar que os sintetizadores podem perfeitamente conjugar-se no imaginário musical do cantautor canadiano.

As duas primeiras faixas (e singles) constituem uma lenta introdução do que nos aguarda. Os ingredientes são os mesmos que no passado, envolvidos num manto mais assumidamente triste. O músico serve-se dos estranhos acordes que inventa, frequentemente em tonalidades menores, para pescar emoções muito específicas. Não raro, ao ouvirmos algumas das canções deste álbum, parece-nos que estamos diante de uma emoção que não sabíamos ter experimentado; à semelhança de quando temos saudade de um tempo que não vivemos. Nisso, DeMarco é um exemplo exímio do poder da harmonia e da dissonância.

‘Baby You’re Out’ recorda-nos o estilo de composições com que John Lennon brincava, nos anos 70. Não é a única; também ‘Wolf in Sheep’s Clothes’ nos lembra o beatle de óculos redondos, desta vez com direito a harmónica. Leves e balanceadas, e ainda assim sem deixarem de recorrer a uma certa tristeza. Embora oiçamos cantar “There’s nothing to cry about”, há melancolia na voz de Mac DeMarco. Ao longo de todo o álbum, quer nas músicas mais animadas quer nas mais contidas, verifica-se uma contínua sensação de solidão, evidenciada pela equalização da voz, de eco constante.

‘Sister’ é talvez o exemplo mais intenso disso mesmo. A guitarra lo-fi, em conjunto com a voz, é possivelmente o momento mais estranhamente melancólico da sua discografia. “So sad, so suddenly”, ouvimos. Também nós somos tomados de assalto, de imediato – por pouco tempo, porque a canção termina num ápice. Mas é o suficiente para provarmos o espectro de paisagens emocionais a que Mac recorre.

A riqueza de acordes do álbum frequentemente nos recorda ainda o bossa nova – ‘Dreams from yesterday’ torna isso evidente. Que melhor género musical do qual partir, quando se trata de um tristeza vivida na dormência? A imagem de uma praia ao final da tarde, a emoção de um pôr-do-sol, uma sensação irracional de abandono. E os sintetizadores que entram, a cruzar sonoridades; ora mais discretos, ora em toda a sua extravagância. ‘On The Level’ é quase kitsch – piroso – mas resulta. Assim como ‘For The First Time’, que acaba por ser uma das canções mais bonitas do álbum, com a sequência melódica e harmónica do refrão a impressionarem.

O álbum encerra da melhor forma. Se o final de ‘Moonlight On the River’ revela um lado explosivo e tresloucado que ainda não se manifestara neste álbum (e em toda a carreira, visto que o músico tende a canalizar esse caos para outras vias), ‘Watching Him Fade Away’ soa a hino de despedida, de sintetizador cheio e reconfortante. ‘This Old Dog‘ é o primeiro álbum de Mac DeMarco em cuja capa não figura a sua cara: de alguma forma, isto parece-nos relevante. Será o próprio Mac que se sente a apagar-se?

A sensação que fica é que o tempo irá recordar DeMarco como alguém que se aproximou de uma geração de uma maneira suis generis: música descontraída e descomprometida, numa personalidade frequentemente a roçar a loucura. É incrível pensarmos no fenómeno em que se tornou junto do seu público, propondo todo um estilo de vida a partir de bases musicais reminiscentes de outras épocas. Será curioso assistir à forma como manterá essa influência e legado, ao mesmo tempo que escreve letras cada vez mais maduras.

DeMarco é, simultaneamente, o som da solidão e o som que poderíamos ouvir com os nossos amigos nos mais diversos contextos de descontracção. Este novo álbum vem prová-lo. Não se prolongando excessivamente (se o fizesse corria o risco de perder força), cumpre com as expectativas. As semanas e os meses dirão se ‘This Old Dog’ estará ao nível de ‘Salad Days‘ – o Verão terá a palavra final, é o avaliador do músico por excelência. Mas, mesmo que seja difícil ultrapassar essa fasquia, é um álbum muito rico, agradável e sugestivo.

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