Tim Robbins: ‘Não sabia que o empresário Bob Roberts tinha sido eleito para a Casa Branca’
O americano Tim Robbins recebeu o Globo de Cristal pela sua carreira no 53º Festival de Karlovy Vary. Apesar de ser sobretudo conhecido pelo seu trabalho como ator ou realizador (apresentou no festival os filmes Bob Roberts, a sua estreia, e ainda The Cradle Will Rock), mas também como argumentista, embora já menos como músico e compositor. Razão pela qual muitos estão ansiosos pela sua anunciada performance musical, na próxima quarta-feira, dia 4, que dará com o seu grupo, a Rogues Gallery Band.
No encontro que tivemos com ele, juntamente com outros colegas da imprensa, deu para perceber que a música é algo que o liga. Talvez mais ainda após o divórcio com Susan Sarandon, em 2009, a marcar o fim de uma ligação tão forte como duradoura. Robbins esclareceu ainda como o filme Bob Roberts quase parece o guião do percurso de Donald Trump, e não esqueceu a importância real do movimento #MeToo.
Acabou de apresentar Bob Roberts, a sua estreia na realização em 1992. Está surpreendido pela atualidade que mantém o filme e pelos ecos que tem ainda hoje?
É verdade que estes problemas têm sido recorrentes ao longo do tempo. Esta duplicidade na política e a ideia de que a mídia vai relatar certas coisas e não outras ou acabar com escândalos obscenos e pecadilhos sexuais que parecem conduzir a mídia. Tudo isto existia em 1992 e existe ainda hoje. Só não sabia é que este empresário Bob Roberts, que é um fã de concursos de beleza e que também evitou o serviço militar seria eleito para a Casa Branca…
(risos) Na verdade. Acha que estes seus comentários demasiado sinceros sobre vários assuntos lhe podem causar problemas na sua carreira e na sua vida pública?
Várias vezes me fizeram essa pergunta. Mas não há maneira de saber. Se preferisse estar segurança e manter a boca calada quando sentisse que algo precisava ser dito, acho que não gostaria de mim mesmo. O compromisso é uma coisa perigosa quando se fala sobre a verdade e a integridade artística. Conhecer alguma coisa e não dizer nada é para mim uma traição ao que é significa a democracia. Há que recompensar a falha que temos no que diz respeito às grandes questões, porque acredito que existe uma falta de confiança, pelo menos nos EUA, sobre política e a imprensa. É algo que o atual residente da Casa Branca manipula habilmente e já lhe deu um grande golpe nos seus apoiantes. Talvez possam regressar um dia a uma visão do mundo que respeita a verdade. Espero bem que sim.
Mudando de assunto, qual a importância da música da sua vida?
A verdade é que estou ansioso pelo show que vou dar com a minha banda. Vou interpretar muitos originais que escrevi, mas fazemos também várias covers, e principalmente de músicas que são menos conhecidas. Não somos uma banda de karaoke. Ou seja, toco mais música tradicional americana, ou seja, blues, na tradição do Woody Guthrie e do Pete Seeger, talvez com um pouco Billie Holiday.
Tive esta experiência musical muito cedo, porque o meu pai era um cantor folk [The Highwaymen] e eles costumavam fazer o que chamavam de hootenannies, onde seriam seis ou sete músicos no palco. Uma das partes essenciais de um hootenanny é que o público também faz parte do show. ALgo que tentaremos fazer aqui também.
Já gora, para finalizar, como avalia a importância atual do movimento #MeToo e dos seus efeitos?
É importante que o problema esteja a ser discutido e espero que isso conduza a uma mudança na dinâmica da energia. Quem comete crimes deve ser acusado. Mas também sou cauteloso quando começamos a ficar fora de controlo. É algo difícil e subjectivo. Por exemplo, não acho que alguém deva perder sua carreira por uma acusação. Deve ser algo provado em Tribunal de Justiça e se a carreira de alguém for destruída por disso, então é isso que é a justiça. Agora, rumores, acusações e insinuações sem provas, isso já não. Mesmo quando é uma causa e um problema que apoio, confesso que tenho alguns problemas com uma certa mentalidade da máfia. Dito isto, espero que possamos criar um lugar seguro para celebrar as mulheres e o poder que elas têm, o seu talento e a sua inteligência e não ser submetido a uma dinâmica masculina de poder.
Sente que concretizou todos os seus sonhos?
Sou abençoado, tenho três filhos incríveis que são o meu sonho. Gostaria de ser pintor, mas não sou muito bom. Não tenho nenhum desejo de ser político, porque parece que depois de um tempo algo acontece e acabam por comprometer os seus ideais. Não estou pessoalmente talhado para esse tipo de vida. Tenho neste momento três documentários em fase de montagem -um é sobre o trabalho de prisão que faço, ensinando workshops com outros atores da Actor’s Gang. Temos feito isso ao longo de 12 anos e descobrimos que fomos capazes de transformar algumas vidas.
Entrevista de Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt