Todos os fãs de música devem ver os Mountain Goats ao vivo

por Bernardo Crastes,    25 Novembro, 2019
Todos os fãs de música devem ver os Mountain Goats ao vivo
The Mountain Goats. Fotografia de Tiago Cortez // Everything is New
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Foi numa noite chuvosa que os Mountain Goats se estrearam em Lisboa. O projecto liderado por John Darnielle apresentou-se no Lisboa ao Vivo em formato duo, com John na guitarra acústica e voz, e Matt Douglas na guitarra eléctrica, saxofone e harmonias vocais. O concerto oscilou entre folk melancólica de letras acutilantes e rock mais guerrilheiro, satisfazendo os acérrimos fãs portugueses que esperavam por este momento há muito tempo. Isso foi notório e especialmente gratificante durante “This Year”, em que sentimos toda a energia de quem saltou e cantou a canção a plenos pulmões. Mas já lá vamos. Antes, debrucemo-nos sobre o concerto de abertura.

O novo projecto de Laura Cortese, Laura Cortese & the Dance Cards, é composto por um trio de cordas. Violino, violoncelo e contrabaixo unem-se em melodias reminiscentes do bluegrass ou da folk appalachiana com um twist moderno. Numa das canções, Laura canta sobre experiências falhadas com encontros do Tinder – após perguntar à audiência se alguém estava ali com uma pessoa que tivesse conhecido através dessa mesma aplicação, questão à qual um casal respondeu ao levantar a mão. “Nunca ninguém responde!”, e o público partilha da risota.

Logo desde início se cria uma boa relação entre o público e a banda, fortificada a cada salva de aplausos e interacção genuína. As belas harmonias vocais impressionaram o público, que se balançava ao ritmo do contrabaixo que indicava uma inclinação mais pop. Sendo este o último concerto da tour e do ano, para a banda, fomos presenteados com canções novas, entre as quais se incluiu “From the Ashes”. Canção sobre o tumulto do mundo actual e de como podemos renascer a partir das cinzas do que já existiu, é um incentivo a sermos a mudança que queremos ver no mundo. Este foi o concerto de que não sabíamos precisar, com as suas canções suaves e de tons dourados como searas.

Laura Cortese & the Dance Cards. Fotografia de Tiago Cortez // Everything is New

O estilo de Laura Cortese & the Dance Cards desembocou na perfeição na primeira canção do concerto dos Mountain Goats: “Clemency for the Wizard King”, do álbum In League With Dragons, viu John e Matt a harmonizar na perfeição a melodia sussurrada. Sem o ritmo e baixo que caracterizam a versão de estúdio, coube às guitarras criar a sua textura calmante, tocadas de forma tão suave que quase nem se ouviam. Foi um início sublime para um concerto catártico. Logo a seguir, “Estate Sale Sign” sacode qualquer réstia de calma, com John Darnielle a atacar a sua guitarra viciosamente. Desta forma, tivemos logo um lamiré dos dois extremos entre os quais aquilo que ouviríamos se iria situar.

John Darnielle é um músico que adora música incondicionalmente. Ao longo da sua carreira de quase 30 anos, tem-se dedicado a documentá-la de uma forma que só não é metódica devido à sua paixão desmedida. Em 2017, lançou um álbum que explorou a cultura gótica sem usar guitarras e um EP com canções sobre Ozzy Osbourne. “Esta é uma canção sobre o Ozzy Osbourne a tentar lembrar-se de algo que tem a memória visual de ter feito, mas não se lembra realmente de ter feito”, diz antes de tocar “No More Tears”.  Refere várias vezes o quanto já queria ter actuado em Portugal antes e manda-nos cumprimentos de um grande fã nosso, o companheiro de profissão Owen Pallett. Mesmo que nem todas as canções falem sobre música, todas elas são tocadas com muito profissionalismo, um profissionalismo nunca hermético, que soa sempre natural e apaixonado. Nesse sentido, todo o concerto acaba por ser uma homenagem à música, adequada a qualquer pessoa que se considere melómana.

As letras altamente descritivas acerca de música normalmente são hilariantes e ricas em referências, revelando Darnielle como um contador de histórias cativante. Mas também sabe ser um romântico inveterado, escrevendo letras tocantes e puramente belas. Veja-se “Twin Highway Human Flares”, em que o vocalista, sozinho em palco, nos dá o seguinte contexto: “Wind in your hair, alright / Sunset spilling through the rear window / Your white t-shirt hugging your shoulders / Beaded with sweat”. Como se a beleza bucólica não bastasse, o clímax emocional diz-nos “On the day that I forget you / I hope my heart explodes”.

The Mountain Goats. Fotografia de Tiago Cortez // Everything is New

John Darnielle sabe bem o que é ser fã de música. Por isso, pergunta-nos: “O que querem ouvir, país a que nunca tinha vindo?” Um coro de vozes atirou para o ar algumas das centenas de canções que a banda já lançou. O resultado foi “The Mess Inside”, que recai também na categoria das letras belas (“I wanted you / To love me like you used to do”).

Após algumas canções a apenas uma voz, Matt Douglas volta ao palco. Ao longo do concerto, a sua presença enriqueceu bastante as canções, com pequenos detalhes de guitarra eléctrica ou com grandes malhas de saxofone. “Younger” recebeu um tratamento sensual, num duo de guitarra quase muda e o saxofone aveludado iluminado a luz vermelha. Para a recta final, Laura Cortese e o seu conjunto regressam ao palco, para dar um toque mais rootsy às canções. “Tianchi Lake” começa com uma pequena introdução instrumental, quente e atmosférica, à qual até a máquina de fumo se junta, lembrando o som da cauda de uma cascavel e evocando a imagem de um deserto. Foram estas pequenas curiosidades que tornaram o concerto transcendente, para lá do competente ou excitante.

Enquanto estávamos na fase de discos pedidos, um fã exultante pediu “No Children” duas vezes, pedido ao qual Darnielle retorque “essa música não é para meios de concertos”. Parecia que já estava a prever que seria chamado para um segundo encore, fazendo a vontade ao fã apenas nessa altura (“you got it, sir!”). Ouvimos uma versão inédita com saxofone, bem dançável e que obrigou John a tirar o seu casaco, revelando o suor de quem se dedicou verdadeiramente ao concerto. Ficou a promessa de não voltar a demorar 28 anos a vir a Portugal e, sinceramente, acreditamos piamente nela.

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