Torcido: ‘Atrai-me o lado cinematográfico da música’
André Nunes não é um homem que goste particularmente de estar parado. Indicam-no os variadíssimos grupos em que participa, que muito informam também sobre o talento e diversidade deste artista, baterista por excelência e consumidor ávido de todos os tipos imagináveis de música. Desde logo, a sua actividade colaborativa com os Retimbrar assume um natural destaque: o grupo, que incorpora na sua sonoridade um forte e atractivo diálogo entre o pop barroco e a música tradicional, teve em Voa Pé a sua estreia naquilo que a álbuns de estúdio diz respeito. Lançado em 2016, foi recebido com entusiasmo tanto pelos que acompanham o trabalho do extenso colectivo como pela crítica. Também merece, claro está, ser mencionado o seu envolvimento com a Orquestra de Paus e Cordas. O universo melódico que este vasto conjunto percorre explica-se desde logo pela diversidade de instrumentos usados – desde as guitarras e baixos a grupos numerosos de cavaquinhos e toda uma série de percussionistas – e a enorme abrangência de estilos por ele evocados. A alegria que é ver em palco a mistura de idades e ideias musicais que os define valeu-lhes uma presença na mais recente edição da Noite Branca, no último dia do festival bracarense. Tudo isto sem esquecer a onda de entusiasmo gerada em torno de grupos anteriores nos quais André participou, desde o feroz e pesado punk dos Pulha Seltzer aos grooves sensuais e desinibidos dos Boite Zuleika, entre outros.
Mas o seu mais recente trabalho encontra-o numa jornada ambiciosa, com peculiaridades nunca antes vividas por ele. Marca o seu regresso sob o nome de Torcido, naquela que é a primeira vez em que se aventura num registo mais assumidamente a solo. Apesar de tudo, isto não quer dizer que não se faça acompanhar de já longínquos irmãos de armas, assim como de novas mas muito talentosas mentes criativas. Na viagem que o EP Cabaça – lançado há pouco mais de um mês – prepara e reserva para os ouvintes, tem também um papel importantíssimo Pedro Santos, que se encarregou tanto das guitarras como de gravar e misturar o próprio disco. Por outro lado, André refere-se ao contrabaixista David Estêvão como “um amigo de longa data” com o qual já colaborou muito no passado, e o mesmo pode observar-se com a vocalista Teresa Campos. Com o seu acordeão em mãos, é Sofia Nereida que conclui o talentoso quarteto acompanhante. Relacionamentos nascidos de trabalhos anteriores e novas amizades conjugam-se neste projecto que, ao mesmo tempo que funciona como um veículo de aprendizagem, é também uma oportunidade para André assumir maiores responsabilidades no que diz respeito a compor os temas.
Será justo dizer que é uma tarefa árdua caracterizar de um modo sucinto a sonoridade que estas novas músicas apresentam. André nunca se preocupou muito com tentativas de se categorizar, e também detesta que a música – quer a sua ou a de outras quaisquer pessoas – seja colocada em caixinhas. Entende-se, assim sendo, por que motivo Cabaça é a amálgama que é. Por um lado, a afinidade pelo jazz que ele desde cedo cultivou assume uma presença que tem tanto de inevitavelmente forte como de amplamente bem-vinda, mas também breves e cruas guitarras distorcidas se fazem realçar, adicionando cor e convocando para si um elemento rock. Se a bela faixa de abertura que é “Ato(R)do(L)ado” assume uma natureza cinematográfica – a sua linha de piano apresentando um desnorte imediatamente aliciante e um caminhar percussivo de notável sensibilidade rítmica e melódica – ou “Vapor de Chá” adquire protagonismo pelo seu maior imediatismo no EP, por outro lado é o jogo entre o delicioso dedilhado acústico e a batida electrónica que confere a “Vazio” a sua forte identidade. Percebe-se a magnitude do território musical que influencia André Nunes, mas este consegue adicionar um valor de originalidade que torna o primeiro lançamento de Torcido uma experiência refrescante e revigorada.
O título deste artigo faz parte da entrevista concedida por Torcido à CCA – que, de resto, não surge no vídeo dela resultante por questões de edição.