“Tragédia”, de Terry Eagleton: a dor como língua franca

por Mário Rufino,    29 Novembro, 2023
“Tragédia”, de Terry Eagleton: a dor como língua franca
“Tragédia”, de Terry Eagleton: a dor como língua franca (capa do livro)
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Há uma pergunta que surge sempre numa aula de língua ou literatura:
— Para que serve a literatura? 
Há uma premissa errada na questão. A premissa de que a literatura é algo exterior à vida. 
Os méritos de “Tragédia” (Edições 70; trad. Inês Fraga) são vários, mas há um que está bem presente sem ser nomeado. Terry Eagleton (n.1943) demonstra que a literatura faz parte do tecido social. É inimaginável, na contemporaneidade, haver uma sem a outra. Estão de tal forma interligadas que o conhecimento da sociedade sobre si mesma não é possível sem as palavras que a espelham. 

Este é o caminho do ensaio do professor e crítico literário inglês. O escopo de “Tragédia” vai além do género literário e avança pela intercomunicação entre género, sociedade e filosofia. 

Segundo o autor, não há “muitos mais lugares onde a grande arte e as mais fundamentadas questões morais e políticas estejam tão estreitamente interligadas. Uma das razões pelas quais a tragédia é tão importante é o facto de ela ser uma medida daquilo que mais valorizamos; (…) estou interessado, entre outras coisas, nas relações entre tragédia na arte e a tragédia na vida quotidiana.” 

Ao longo da exegese, nomes referenciais da literatura e filosofia vão sendo acreditados como basilares. Desde a antiguidade à contemporaneidade, desde Platão a Steiner, com quem Terry Eagleton parece ter algumas questões mal resolvidas, vemos a tragédia sob várias perspectivas. 

Esta fundamentação acaba por demonstrar duas faces da mesma moeda. Se, por um lado, tudo é fundamentado, por outro é de tal modo que ficamos, tantas vezes, sem saber a opinião do próprio autor. Em partes mais desequilibradas, há um “name dropping” que ofusca a posição de Terry Eagleton.  
No corpo inteiro, há um capítulo (dos cinco), que parece ser uma extensão dispensável. Em “Incesto e aritmética”, o leitor vê-se demasiado afastado do tema, ou, dito de uma outra forma, a coerência do pensamento é esbatida por um discurso exógeno ao tema. 

Isto não é o suficiente para menorizar a obra. Seja como introdução ou aprofundamento, o ensaio tem substância para aprofundar os conhecimentos do leitor. 

A pertinência mantém-se. A dor é uma língua comum e tem na tragédia um “meio mediante o qual uma civilização em particular lida durante um momento histórico fugaz com os conflitos que a assolam.” Com maior aproximação ou afastamento, a humanidade tem tido na tragédia uma forma de educação política e ética. E não só. Apesar de ter caído em dimensão e credibilidade com o psicologismo na literatura, ou o monólogo interior, a tragédia não se resume aos dramas quotidianos- tão actuais- como a fome, um desastre aéreo, a morte de uma criança.   Segundo Eagleton, “Não precisamos de ver o sofrimento no palco para vermos além da dor imediata.” O palco surge, assim, como uma descodificação de arquétipos. 

A raiz da tragédia agarra-se à perspectiva clássica. A vida real não é trágica, porque é uma dor em bruto, sem necessidade de descodificação. 

“Só quando esse sofrimento é moldado e distanciado pela arte para que algo do seu sentido mais profundo se liberte, podemos falar com propriedade de tragédia. A arte trágica faz mais do que representar o intolerável: também nos convida a pensar nele, a honrá-lo, a eternizá-lo, a investigar as suas causas, a chorar as suas vítimas, a absorver a experiência na nossa vida quotidiana, a tirar partido dos seus terrores para confrontarmos a nossa própria fraqueza e mortalidade e talvez a encontrar algum momento de afirmação no seu âmago.”, diz-nos Eagleton. 

Desde os gregos antigos a Steiner e Rowan Williams, para quem a tragédia é uma forma de “dar sentido à dor”, passando por Nietzsche, Walter Benjamin, Žižek, Sófocles, Ésquilo, Ibsen e Shakespeare, Terry Eagleton leva o leitor numa viagem pelas diferentes abordagens teóricas à tragédia. 

De estrutura académica, o texto não sofre com termos obscuros. Não há arrogância no texto, nem procura em esconder o vazio com excesso de discurso metalinguístico.  

É um curso em 5 capítulos para elevação e usufruto do leitor. São 5 aulas de leitura aconselhável. 

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