Trienal de Arquitectura terá 4 exposições, 3 prémios e 3 dias de conferências. Tema deste ano é Terra
Há muito que a Trienal de Arquitectura de Lisboa faz parte das agendas culturais nacionais, seja com conferências, percursos ou reflexões. Mas o que é de facto a Trienal de Arquitectura? Com que linhas se desenha, o que pretende trazer para debate na própria disciplina e entre as pessoas que legislam, que regulamentam, e as que vivem em cidades ou nas periferias. Estivemos à conversa com Filipa Tomaz e Manuel Henriques para sabermos quais os principais desafios que residem actualmente dentro da disciplina e o que esperar do evento que irá ocorrer já no final deste mês.
Com início em 2007, a Trienal de Arquitectura (organizada pela associação homónima) tem como objectivo “promover a cultura arquitectónica, com a missão de provocar debate no que tem que ver com a prática e com a teoria. Para o público, é uma oportunidade de ficar a conhecer também a nossa cultura e a nossa arquitectura e é o evento a que chamamos de grande fórum de discussão”. Em 2013, e com a curadoria de Beatrice Galilee, a Trienal de Arquitectura de Lisboa começou a ser reconhecida pela imprensa internacional e pelos opinion makers, “mais do que até internamente”, tornando-se numa das trienais mais reconhecidas em todo o mundo.
O tema para a Trienal de Arquitectura de 2022 é Terra. O tema é, de acordo com Filipa Tomaz, muito abrangente, não só por termos vivido 2 anos em que fomos obrigados a viver muito mais fechados nas nossas habitações, como pelos desafios que as alterações climáticas representam e representarão no futuro. É preciso pensar em “todas as perspectivas do planeta Terra e trazer novas ecologias para a própria disciplina”.
Foi numa das conversas tidas por ocasião da Open House Lisboa (também organizado pela Trienal) que ouvimos o jornalista Vítor Belanciano a referir que “mais do que construir habitação, temos de construir cidades”. Tudo está de facto relacionado e, para Manuel Henriques, é necessário “repensarmos a cidade em relação às alterações climáticas e em relação à forma como providenciamos habitação. O desenho das cidades, a relação entre as cidades e a forma como ordenamos o território no país e no mundo. A forma como nos deslocamos, que poderia e deveria ser muito mais sustentável e muito menos poluente, recorrendo, por exemplo, ao comboio. E em todos estes aspectos será necessária uma sintonia, um esforço concertado em relação ao mundo, à organização mundial, para uma resposta eficaz e mundial às alterações globais”. Da mesma forma que, aquando do início da pandemia de COVID-19 foram feitos esforços mundiais concertados para uma solução uniformizada, nas questões das alterações climáticas deverá existir igualmente um esforço uniformizado, pois “nós já não estamos na fase de evitar que existam vagas de calor, mas sim de viver com elas. Sabemos que vamos vivê-las e sabemos que vão ser piores. A resposta que nós precisamos, na área da arquitectura, do urbanismo e no pensamento de espaços públicos e privados, de cidade e de território, é de como conseguimos viver com elas.”
O debate pretende incluir não só os especialistas na disciplina, mas também alertar quem governa, quem faz os regulamentos, e suscitar a crítica, aprofundar debates, analisar divergências e pensar a disciplina, porque “tudo é arquitectura”. Um dos pontos do programa da edição deste ano debate também a “adaptação do design e arquitectura num período marcado por desigualdades sem precedentes”. E, para Manuel Henriques, estas desigualdades vão além da tão falada gentrificação, “que afecta em grande parte uma classe média além de afectar, obviamente as classes mais desfavorecidas. As cidades são desenhadas muito a partir de uma ideia de lucro, em que o importante é a venda e a compra e não pensar nas pessoas”. Filipa Tomaz questiona também para quem se desenha as cidades e como estas, e embora o paradigma esteja a mudar, “são pensadas para os carros, não tanto para quem anda a pé. Por exemplo, uma criança tem todo o direito a usufruir do espaço público e não consegue”.
Na edição de 2019, a Trienal de Arquitetura abordou “o facto de a arquitetura e a agricultura serem disciplinas gémeas e depois foram separadas, portanto, falou-se muito nesta relação entre a cidade e o campo, como a cidade vive também do campo”. No ano seguinte, com o advento da pandemia, “vimos muitas pessoas a sair da cidade e ir viver para o campo e que já não voltaram, porém, a cidade não deixa de ser, em termos práticos e económicos, essencial para nós vivermos todos neste planeta. Nesta trienal focamo-nos mais nestas questões muito básicas, de relação, de pessoa a pessoa e pessoa e unidade com o espaço. As desigualdades de que falamos foram acentuadas pela pandemia, a habitação não condigna ou os próprios espaços de trabalho”, remata Filipa Tomaz.
Enquanto animais, “não precisamos de ter alcatrão à nossa frente, mas sim de ter uma árvore, ter vegetação. Há até estudos sobre a melhoria do estado físico e mental quando temos vegetação verdadeira, nem que seja só através da janela.” No entanto, numa perspectiva prática, os habitantes das cidades preterem muitas vezes um jardim à frente de casa porque precisam de estacionamento, pois, segundo Manuel Henriques, “têm de usar o carro para ir levar a criança à escola, para irem às compras, porque a cidade não está pensada para sair sem ser de carro”. Faltarão certamente transportes colectivos eficazes e que não estejam sobrelotados, mas é necessária também literacia arquitectónica, uma melhoria consciente do espaço colectivo e também privado.
São estes os temas e muitos outros que serão debatidos na edição da Trienal deste ano. Entre as várias iniciativas, será também distinguida Marina Tabassum do Bangladesh. Os arquitectos de economias emergentes não têm sido historicamente distinguidos, mas estas vozes são importantes e é preciso ouvi-las, trazer para o debate perspectivas que não se centrem meramente no hemisfério norte. Trazer pessoas da “periferia do centro do mundo” para que a Trienal não seja só mais um palco do norte global, branco e ocidentalizado.
A Trienal de Lisboa ocorre entre 29 de Setembro e 1 de Outubro. Com a curadoria geral de Cristina Veríssimo e Diogo Burnay, e com curadores Loreta Castro Reguera e Jose Pablo Ambrosi (México), Pamela Prado e Pedro Ignacio Alonso (Chile), Tau Tavengwa (Zimbabué), Vyjayanthi Rao (EUA), o evento terá “4 exposições, 3 prémios, 3 dias de conferências, projectos independentes e uma colecção de livros, onde coexistem múltiplas vozes e perspectivas para além das suas dualidades”.