“Turning Red”, de Domee Shi: como transformar uma boa ideia num péssimo filme

por João Miguel Fernandes,    7 Abril, 2022
“Turning Red”, de Domee Shi: como transformar uma boa ideia num péssimo filme
“Turning Red”, de Domee Shi / Disney/Pixar
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Este artigo pode conter spoilers.

Não é novidade que a Disney e a Pixar andam, na sua história mais recente, a tentar criar filmes com temáticas inclusivas, actuais e relevantes. Este é, sem dúvida, um movimento de louvar. O cinema, tal como outras artes, pode educar e ajudar a divulgar questões relevantes para a sociedade no geral, contudo, é necessário fazê-lo com relativa qualidade, algo que este mais recente “Turning Red” não consegue de todo fazer.

Realizado por Domee Shi (trabalhou em “Inside Out” (2015), “The Incredibles 2” (2018) e “Toy Story 4” (2019)), uma das poucas mulheres realizadoras na Disney / Pixar, “Turning Red” foi baseado na sua vida pessoal. Shi nasceu em Chongqing, na China, mas mudou-se para o Canadá aos dois anos. Foi a primeira mulher a realizar uma curta metragem para a Pixar, feito que lhe valeu o seu primeiro Óscar da carreira com “Bao” (2018). A sua história pessoal é feita de superação e sucesso, tal como a história da personagem principal de “Turning Red”, Meilin. E é fácil perceber que a nível estilístico a maioria das suas influências vêm do anime, nomeadamente de “Ranma 1/2”, “Inuyasha” e “Sailor Moon”. O problema é que ao contrário da maioria das produções nipónicas, que consegue criar uma dualidade narrativa que agrada a adultos e crianças, “Turning Red” falha em todos esses aspectos, pegando em temas essenciais e interessantes e transformando-os em algo demasiado infantil até para que crianças de 12 ou 14 anos possam ver.

“Turning Red”, de Domee Shi / Disney/Pixar

“Turning Red” retrata a história da jovem Meilin, uma rapariga de origem chinesa que vive em Toronto, Canadá. Devido a uma razão que é apresentada em míseros segundos e que não tem qualquer fundamento excepto a sua ligação directa com a cultura asiática, Meilin acorda um dia transformada num Panda Vermelho. Este paralelismo entre a fantasia, o vermelho e o facto de Meilin se estar a transformar em mulher é interessante, mas mal desenvolvido. Todas as ligações com a cultura asiática são forçadas e atiradas aleatoriamente para a narrativa. A relação de Meilin com a mãe, o ponto central do filme, parte de um principio importante, mas transforma-se rapidamente numa situação banal, estereotipada e sem grande profundidade, acrescentando muito pouco ao universo do cinema.

“Todas as situações do filme são previsíveis, maioritariamente banais e que transformam várias temáticas importantes em algo sofrível de assistir.”

O maior problema de “Turning Red” é o seu tom infantil. A animação apresenta qualidade, como a maioria dos filmes da Disney / Pixar, e em certos momentos é criativa o suficiente para nos fazer esquecer a narrativa simplista. Todas as situações do filme são previsíveis, maioritariamente banais e que transformam várias temáticas importantes em algo sofrível de assistir. Todas as amigas de Meilin são estereótipos, toda a relação com a sua mãe é um enorme estereótipo sem profundidade suficiente para que os adultos se sintam empenhados na mesma, ou que as crianças aprendam algo.

“Turning Red”, de Domee Shi / Disney/Pixar

Hoje, mais do que nunca, é extremamente relevante dar voz a problemas e situações menos debatidas. O facto da relação mãe-filha ser o tópico central deste filme é positivo, mas rapidamente nos apercebemos uma vez mais que tudo não passa de um “cumprir calendário” para a Disney / Pixar. É óbvio que Domee Shi, a realizadora, investiu bastante da sua vida pessoal nesta narrativa, mas claramente que lhe falta a capacidade de transformar a sua própria história em algo realmente inspirador.

Ao longo do filme existem inúmeras situações que não fazem absolutamente sentido no contexto da narrativa. Talvez a ideia tenha sido explorar directamente as influências de alguns dos animes preferidos de Shi, mas resulta numa série de 26 episódios com duração de 20 minutos cada, não resulta num filme, principalmente em 2022. Se até o anime evoluiu e mesmo o mais comum oferece o mínimo de profundidade, porque é que não podemos exigir o mesmo da maioria das produções americanas? Em vez disso somos constantemente bombardeados com produções sem alma e sem verdadeiros ensinamentos. E o quão importante é debater o tema menstruação, da relação mãe-filha em 2022!

“Turning Red” só tem importância porque é urgente darmos voz a toda a gente e a todas as situações. Infelizmente, do ponto de vista prático, é um enorme falhanço no mundo do cinema de animação moderno, não conseguindo oferecer ao espectador algo mais além do que o básico e estereotipado.

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