Um canto de sossego num espaço presencial
Pouco me importa a actualidade, o que é importante na vida é transversal aos tempos. Não há nada no humano tão poucochinho como querer estar unicamente atento ao mundo em que vive. O mundo de hoje é metade passado, metade prenúncio. Apenas quem vive entre esses mundos pode construir e trazer um mundo só seu dentro de si.
Vou deixar de permitir que me afoguem em actualidades e factualidades várias por dias. Cansada de tanta informação inútil, que apenas serve de ruído para uma cabeça já de si estrepitosa. Nada há mais factual do que as ocorrências que nós próprios vivemos. E sobre algumas delas também temos dúvidas. A realidade é sempre um bocado inventada porque tem de passar por dentro da nossa cabeça. Não se trata de olhar para o umbigo — não há coisa que mais me desinteresse —, mas de permitir que o umbigo sinta o ar do mundo, como a ilha que é e sempre será, por mais agitada ou pacífica que seja a paisagem.
Procuro as coisas simples e silenciosas. Não são fáceis de descobrir. Quando temos dez tipos diferentes de alface no supermercado, o tempo não é elástico para tantas decisões. Quem me dera plantar alfaces. Assim que acabo de escrever isto, apercebo-me do romantismo bucólico da cínica da urbe. Eu não sei plantar alfaces. Talvez queira aprender um dia, talvez nunca. Mas até sobre isso há inúmeras actualidades, do regresso à vida simples do campo ao sofisticado luxo da vida nas cidades, tudo é matéria para se fazer teorias e deixar conselhos.
Como é insuportável viver num tempo que quer acelerar à força as nossas vontades. E transformar simples desejos em factualidades. Tudo tem de ter correspondências que gritam, instruções apelativas que nos tornam meros executantes.
Cansada das pessoas, mesmo que só existam virtualmente, as pessoas existem demasiado no espaço virtual. Quero um canto de sossego num espaço presencial. Pode ser um quarto ou um descampado, desde que não tenha gente. Um espaço real deserto, para poder fantasiar sem ninguém a querer vender-me às fantasias. Pouco me interessa a actualidade, eu própria vivo entre as minhas memórias e os meus desejos largos de futuro.