Um descanso superprodutivo
Pergunto-me se é bênção ou maldição não conseguir usufruir dos prazeres banais das férias, tão irmãmente apreciados pelos banhistas ao meu lado. Pergunto-me demasiadas vezes porque fazemos todos as mesmas coisas, nomeadamente nos mesmos períodos do ano. Porque alguém descobriu que determinado comportamento funciona, e reproduzimos o modelo testado sem nos perguntarmos se alguém nos destinou tarefas que temos de cumprir mesmo estando supostamente de férias? Estaremos tão cegos pelo bombardeamento de influências e normas que não nos permitimos pensar?
Parece-me impressionante que chegado o Verão, por exemplo, nos dirijamos massivamente para as praias e piscinas. Claro que está calor e que é natural que nos queiramos refrescar, mas será que não há outras formas de nos permitirmos ter férias, outras formas de descanso? É verdade que nem todos escolhem como destino a praia, alguns recolhem-se no campo, longe da urbanidade, e há ainda os que decidem viajar ou aqueles que se trancam em casa simplesmente sem querer fazer nada. Ainda assim, é-nos sempre pedida uma escolha. Temos de escolher o que fazer, quando até decidirmos nada fazer constitui uma escolha.
Esta questão relaciona-se com o tempo que temos para usufruir do descanso, que é por si só uma pressão. Desde a revolução industrial, quando o conceito de lazer foi inventado, deixámos de saber o que é o ócio. E entre o lazer e o ócio há uma diferença significativa. Enquanto o lazer é um período estipulado pelas entidades patronais e destinado ao descanso e divertimento, o ócio é simplesmente um período em que devíamos nada fazer sem preocupação com o prazo de validade.
Durante muitos séculos o ócio era considerado um dos motores criativos dos artistas, era neste período em que nada era obrigatório fazer que surgiam ideias incríveis para as suas obras. O problema é que na sociedade em que vivemos é suposto, no período de férias do trabalho e da escola, usufruirmos do bem-estar de nada fazer, mas esta premissa é em si uma contradição, um paradoxo. Ter um período estipulado para não fazer nada afasta-se definitivamente do conceito de ócio. O lazer que nos é oferecido faz infelizmente parte do trabalho, porque é visto como um intervalo necessário para voltarmos a trabalhar.
Por isso, seja na praia, na piscina, numa viagem ao estrangeiro ou em casa, sofremos todos da pressão de voltar a ser produtivos. As férias têm de ser produtivas ao nível do descanso. «O meu descanso foi superprodutivo», se calhar ocorre-nos quando voltamos cansados ao trabalho depois de um período de ócio que, afinal, nunca existiu.