Um pequeno olhar sobre a Tabela Periódica
Entramos numa sala cheia de gente que desconhecemos, temos vergonha de meter conversa, e aproveitamos para desbloquear o telemóvel, verificar se há alguma notificação nova, ou ver um vídeo com piada. Mas o ecrã parece não reagir ao toque dos dedos, talvez porque há um problema na película com os óxidos de índio e estanho, e talvez nunca tenhamos ouvido falar de tão estranhos compostos. Mas como este ano se comemoram os 150 anos da criação da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, não é de todo despropositado tentar perceber para que servem esses símbolos, e até que ponto influenciam o funcionamento dos objectos que transportamos connosco, nomeadamente do nosso tão estimado smartphone. Liguemo-nos, por isso, à internet.
Porventura não haverá objecto mais digno de tão bem enaltecer a Tabela Periódica quanto o telemóvel. Numa breve pesquisa bibliográfica, apercebemo-nos de que dos cerca de 80 elementos químicos estáveis, pelo menos 70 podem ser encontrados num smartphone: noutras palavras, andamos constantemente com uma tabela periódica dentro do bolso. Ficamos a saber que o lítio entra nas baterias, que o tântalo é essencial para umas pecinhas cujo nome só sabemos pronunciar em inglês, que os platinóides são imprescindíveis para uma data de micro componentes, que as famosas Terras Raras são o esqueleto dos microfones e sistemas de vibração, e que os óxidos de índio e estanho permitem essa mágica funcionalidade que é a existência de um ecrã táctil! Noutro link, no entanto, tomamos consciência de que ao planeta sai caro produzir smartphones em quantidades tão colossais, e relemos os artigos sobre a exploração de coltan e a destruição de recifes de coral em nome do estanho. Talvez seja melhor “desligar os dados”, levantar a cabeça, e discutir este assunto com alguém.
Voltando à química, é impressionante pensar que o planeta nos tenha oferecido uma diversidade de elementos a rondar os 120, e que de todos os que o constituem, os indispensáveis ao bom funcionamento dos telemóveis não cheguem a alcançar os 2%. Impressionante é também a nossa capacidade de destilar essa percentagem em prol do progresso tecnológico. Somos engenhosos, e contudo somos o produto de uma estonteante simplicidade molecular: para o que somos, basta-nos hidrogénio e oxigénio, carbono, azoto, algum enxofre para os cabelos, cálcio para os ossos, ferro para a hemoglobina, potássio para os neurónios, e mais uns pós. E voltando aos telemóveis, é assustador pensar que grande parte da nossa vida, dos nossos pensamentos, palavras e actos – ironicamente da nossa tão valiosa sociabilidade – viva densamente apertada entre estes circuitos, obrigando-nos a um alheamento da realidade, e a uma postura desatenta aos factos essenciais da vida.
Do lado de fora dessa sala, do outro lado da janela, vemos um cacho de miúdos com os telemóveis nas mãos. Estão concentradíssimos, e os smartphones disparam barulho e cores. Ao longe, no campo de futebol, há uma outra criança, a dar chutos contra a rede de uma baliza, sozinha. Provavelmente nada saberão da Tabela Periódica ou do cocktail de elementos químicos que é um smartphone. E não que a propósito de tudo isto se queira propagandear a ideia de que “antigamente é que era bom”, mas seria bem mais interessante que a criança da bola não a tivesse pousado para juntar-se aos colegas, que se calhar também estariam a jogar futebol, mas de olhos fitos noutro rectângulo.
Crónica de André Almeida Paiva
O André é Geólogo de formação, trabalha num Museu de Ciência e a escrita faz parte do seu quotidiano.