Uma breve reflexão sobre as eleições de domingo

Não conheço ninguém verdadeiramente entusiasmado com estas eleições. Eu próprio, democrata convicto, irei pôr a minha cruz no boletim de voto com tristeza e desânimo pelo estado a que chegámos. As instituições democráticas sacodem-se das suas responsabilidades e atiram para cima do povo o peso de governar o país, como se fossem meros espectadores ou árbitros imparciais de um jogo em que perderam o controlo. No entanto, apesar desta crítica às instituições, não deixo de acreditar que exercer o direito de voto e de expressão são das poucas formas que temos de lutar pela democracia em Portugal.
No livro que estou a ler, Porque falham as Nações, os autores — Prémio Nobel da Economia de 2024 — explicam a importância decisiva das instituições na criação de sociedades prósperas e inclusivas. Defendem que só instituições que garantam mobilidade social, respeito pela propriedade privada e participação política livre conseguem promover o desenvolvimento. Neste momento, as instituições em Portugal estão a falhar-nos. E falham porque se tornaram viciadas e decadentes, com os nossos representantes mais preocupados em criar sistemas de poder destinados a perpetuar-se do que a servir o interesse público. Esta é a marca de regimes extrativistas — aqueles onde as elites se apropriam dos recursos e do poder para benefício próprio, barrando sistematicamente qualquer tentativa de renovação.
“Existe uma elite extrativa que sobrevive desta instabilidade e que, protegida por uma cultura partidária opaca e hierárquica, impede a renovação. Qualquer tentativa de progresso é barrada por este sistema que se protege a si próprio.”
Em Portugal, a estrutura interna dos partidos políticos tornou-se um dos maiores obstáculos à renovação democrática. Quem quiser entrar na política precisa, além de capital económico para frequentar eventos políticos e sociais, de acesso a plataformas de visibilidade restritas e de aceitar as regras não escritas das cúpulas partidárias. Os partidos fecharam-se sobre si próprios e alimentam carreiras exclusivamente feitas dentro das suas máquinas, desde os 18 anos, num percurso controlado, previsível e vertical. Isto explica porque tão poucos conseguem romper com a ordem estabelecida.
Exigir que os partidos se abram não passa apenas por colocar “figuras da sociedade civil” nas listas, mas sim por reformar o modo como essas listas são feitas e como os partidos funcionam. Limitar o número de mandatos de cada deputado, por exemplo, seria uma medida concreta e eficaz: forçaria a rotatividade, impediria carreiras vitalícias e obrigaria a uma renovação real. Alguns partidos têm tentado criar modelos mais participativos, como as primárias abertas, mas enfrentam a resistência previsível das estruturas instaladas, como é o caso do Livre.
“Se as instituições falham, resta-nos usar os instrumentos que Abril nos deixou: o voto, a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação e a capacidade de exigir reformas. Participar não é só votar. É fazer perguntas aos candidatos, pressionar os partidos, assinar petições, apoiar causas locais, promover debates e exigir transparência. É criar movimentos, denunciar abusos e apoiar quem tenta fazer diferente. É lembrar que a democracia só morre quando nos calamos.”
As consequências desta lógica de poder ficaram bem patentes nestas eleições. O caso recente no PSD, onde a estrutura partidária não foi capaz de exigir do primeiro-ministro um comportamento eticamente aceitável, revela a total ausência de mecanismos internos de escrutínio. A incapacidade de criticar ou penalizar Luís Montenegro pelo seu comportamento demonstra como os partidos estão absolutamente verticalizados. E, na verdade, este exemplo seria replicável noutros partidos. Todos padecem, em maior ou menor grau, da mesma cultura de fidelidade vertical e de subordinação à direção, principalmente em partidos unipessoais como o Chega.
Vale a pena, nesta reflexão, voltar o olhar para as instituições. As eleições de 18 de maio não são eleições para o governo. São eleições para a Assembleia da República. E, no entanto, os partidos e os media vendem-nos a ideia de que estamos a escolher um primeiro-ministro, num sistema parlamentar onde, formalmente, isso não existe. É uma falácia democrática que desvia o foco do essencial: escolher quem melhor nos representa na Assembleia da República, o órgão onde o poder legislativo e fiscalizador reside. Os partidos do centro, em especial PS e PSD, alimentam este equívoco porque lhes convém o voto útil. Os deputados, mesmo sem estar no governo, podem propor leis, fiscalizar o executivo e condicionar decisivamente o rumo do país. Ignorar este papel é esquecer a democracia representativa que Abril instituiu.
“Em Portugal, a estrutura interna dos partidos políticos tornou-se um dos maiores obstáculos à renovação democrática. Quem quiser entrar na política precisa, além de capital económico para frequentar eventos políticos e sociais, de acesso a plataformas de visibilidade restritas e de aceitar as regras não escritas das cúpulas partidárias. Os partidos fecharam-se sobre si próprios e alimentam carreiras exclusivamente feitas dentro das suas máquinas.”
Outra instituição que falhou neste processo foi a Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente que se diz mediador e garante da estabilidade, demitiu-se dessa função por três vezes em momentos cruciais durante o seu segundo mandato (em 2022, 2024 e 2025). Ao lavar as mãos e convocar eleições em vez de procurar soluções institucionais, Marcelo fragiliza o regime. Como no episódio bíblico de Pôncio Pilatos, lava as mãos perante o tumulto político. “Vendo Pilatos que nada conseguia, antes, pelo contrário, aumentava o tumulto, mandando vir água, lavou as mãos perante o povo, dizendo: ‘Estou inocente do sangue deste justo; fique o caso convosco’” (Mateus 27:24). Um exemplo recente foi a falta de intervenção no caso da crise governativa que antecedeu estas eleições, onde Marcelo poderia ter tentado promover um entendimento parlamentar, em vez de precipitar o país para o voto, sem resolver as fragilidades de fundo. Mais grave ainda: é o mesmo Presidente que, depois de três anos de instabilidade criada pelas suas próprias decisões, vem pedir estabilidade aos portugueses.
“No próximo domingo, antes de escolheres o teu voto, lembra-te: não votas num primeiro-ministro. Votas em quem te vai representar na Assembleia da República. E é aí que a democracia vive ou morre.”
Retomando Porque falham as Nações, a pergunta que não me larga ao lê-lo é: porque é que Portugal não é mais rico? E a resposta é clara: porque as instituições nos falham. Existe uma elite extrativa que sobrevive desta instabilidade e que, protegida por uma cultura partidária opaca e hierárquica, impede a renovação. Qualquer tentativa de progresso é barrada por este sistema que se protege a si próprio.
E então — o que fazer? Se as instituições falham, resta-nos usar os instrumentos que Abril nos deixou: o voto, a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação e a capacidade de exigir reformas. Participar não é só votar. É fazer perguntas aos candidatos, pressionar os partidos, assinar petições, apoiar causas locais, promover debates e exigir transparência. É criar movimentos, denunciar abusos e apoiar quem tenta fazer diferente. É lembrar que a democracia só morre quando nos calamos.
Para além disto, no próximo domingo, antes de escolheres o teu voto, lembra-te: não votas num primeiro-ministro. Votas em quem te vai representar na Assembleia da República. E é aí que a democracia vive ou morre.
Sugestões do cronista:
O poeta Ruy Belo e o seu livro Toda a Terra. É, para mim, uma ótima porta de entrada na poesia de Ruy Belo, marcada por uma escrita contemplativa e profundamente consciente da sua própria condição. Sentimos um sujeito poético inquieto, reflexivo, muitas vezes perdido na sua existência, que se interroga mais do que responde. A escrita é livre, sem ceder às amarras da métrica ou da rima tradicional, e isso acaba por ser um dos seus maiores méritos — quebra com vários paradigmas da poesia portuguesa e é genuinamente refrescante mergulhar neste tom intimista e melancólico.
Conferência Inferno é uma banda portuense que me faz acreditar que ainda existe criatividade e vontade de romper em Portugal. Conheci-os no aniversário dos 20 anos da Casa da Música, onde deram um espetáculo elétrico. Podem ler uma entrevista deles à Comunidade Cultura e Arte no ano passado para sentirem esta energia.