Uma campanha triste
A campanha eleitoral que hoje termina foi a pior de sempre.
Nela se esparramaram as inanidades do costume, as manhas de sempre, o sacramental bacalhau a pataco, as picardias reles, o estafado espavento, tudo conforme ao figurino de propaganda em vigor desde o paleolítico da política portuguesa. Um cidadão que leia “Uma eleição perdida,” escrito em 1888 pelo Conde de Ficalho, estarrecerá com a atualidade da simpática e curial novela.
Ora se os tempos vão mudando, se os problemas e as carências de hoje não são os de ontem, e se as iniciativas políticas vão ficando milimetricamente na mesma, isto quer dizer que estão cada vez piores. Ninguém se admire, portanto, que os cidadãos “votem com os pés”, ou seja, que se abstenham maciçamente.
Mas quem terá convencido ou como se convenceram os directórios partidários que semelhante sortido de canastrões poderia sequer estimular o eleitor quanto mais imbuí-lo de um módico de confiança no seu voto?
Sucede que a disposição do eleitor é de interesse nulo para tais directórios, meramente movidos por contas intestinas na escolha dos candidatos. Para as Europas é remetido quem faça algum estorvo aos negócios correntes da política nacional, usualmente por se ter conotado com os anteriores mandantes do aparelho partidário. As vantagens da sinecura tornam o exílio dourado.
De tão formatadas e sonâmbulas as campanhas eleitorais converteram-se numa paródia da política.
Havendo alguma vantagem nesse corso carnavalesco será o de dividir os candidatos entre os tontos que ainda acreditam naquilo e os sonsos que fingem acreditar. Outra ainda será a de tirar a justa medida do atraso da corporação política nacional em comparação com as práticas eleitorais das democracias mais avançadas. Nestas, por via de uma exaustiva e apurada recolha e análise de dados os candidatos sabem perfeitamente a que portas hão-de bater e o que dizer em cada momento e lugar. Por cá a informação resume-se a sondagens mal-amanhadas e convenientes a de quem as encomendou. E depois fala-se de “progresso”, “inovação” e “futuro.”
Mas uma campanha à portuguesa não tem como objectivo o contacto com a população, que é trazida à colação para a fazer de “povo”, ou seja, de figurante. As campanhas concebem-se como encenações fornecidas à chusma de jornalistas que “andam na estrada” na cauda dos candidatos, na esperança de que deles se destilem “apontamentos de reportagem” capazes de atraírem a atenção do espectador, perdão eleitor.
Como que embaraçados por participarem no embuste alguns jornalistas empenham-se em dignificar a sua serventia confundindo imparcialidade com cinismo. Perante o espectáculo que lhes é proporcionado, em vez relevarem alguma substância política que pudessem compilar, recolhem umas anedotas de preferência grotescas. Entram então em cena as vendedeiras desbocadas, os desdentados a resmungarem parvoíces, os queixumes das velhinhas, os rurais brutos e sem filtro portanto autênticos. E assim se fixa e constrói a imagem mediática de um suposto Portugal profundo, um país que visto de relance mostra-se pitoresco e espontâneo, contudo repugnante e inabitável pela burguesia urbana.
Há nisto tudo um fundo de tragédia. Parte dos intervenientes têm consciência de quão decadente e degradante é a farsa em que se meteram e estão inteirados da desilusão e da repulsa que os cidadãos lhe devotam. Contudo a peça está montada para que não seja possível desempenhá-la de outra maneira. Tudo corre para um trágico desenlace.
Esta crónica foi publicada originalmente no jornal Hoje Macau, tendo sido aqui reproduzida com a devida autorização.