Uma diferença de escalas
A velocidade da luz é de 299.792.458 metros por segundo. Comummente arredondada para 300.000 km/s, a velocidade da luz – no vácuo – parece corresponder ao limite de velocidade do universo. Para se ter uma ideia da magnitude deste número – e simultaneamente da sua incrível insuficiência perante as distâncias cósmicas – veja-se o seguinte: a distância entre a terra e a lua é de aproximadamente 384.400 km (dependendo da posição orbital do nosso satélite), à velocidade da luz levaríamos apenas 1,255 segundos a lá chegar e uma ida e volta tardaria menos de 3 segundos (um desfasamento que aliás podemos verificar nas comunicações com os astronautas que foram à lua, todas elas apresentando desfasamento entre emissão e recepção).
Já a distância média entre a terra e o sol é de uns consideráveis 149.597.871 km – o correspondente a uma Unidade Astronómica, outra unidade de grandeza para distâncias cósmicas. À velocidade da luz, levaríamos 8 minutos e 20 segundos para percorrer essa distância.
A estrela mais próxima do nosso sistema solar é Alfa Centauri, um sistema de três estrelas gravitacionalmente unidas. Fica a 4,37 anos-luz de distância, cerca de 4.1343392 x 1013 quilómetros. Um ano-luz equivale – como o nome indica – à distância percorrida pela luz em vácuo num ano (9.4607 x 1012 km). À velocidade da luz – velocidade que não conseguimos atingir nem de muito longe, levaríamos 4 anos e qualquer coisa a percorrer a distância da terra ao sistema Alfa Centauri. A velocidade da luz, absolutamente avassaladora na escala da terra e mesmo no sistema solar, é ridiculamente lenta quando consideramos distâncias cósmicas.
Na verdade, a nível cósmico tudo parece-me mover-se com extraordinária lentidão, mesmo que à nossa escala não o pareça. Mesmo a uns nada despiciendos 230 km/s (quase um milhão de quilómetros por hora), o sol leva cerca de 255 milhões de anos para completar uma órbita à volta do centro da Via Láctea. Na verdade, no nosso tempo medido em anos e não em milhões de anos, as coisas parecem estar em câmara lenta ou mesmo paradas.
Quando penso na piada cósmica que é a nossa métrica humana – fadada a perguntar o que não pode saber e a postular abstractos que é incapaz de compreender vivencialmente – sinto-me esmagado pelo tanto e tão inacessível que temos em nosso redor. Postula-se existirem cerca de um septilião de estrelas no universo (é um 1 seguido de 24 zeros). Todas elas a distâncias a que humanamente não temos acesso. Todas elas orbitando centros de galáxias a velocidades tão elevadas do nosso ponto de vista e tão irrisórias de um ponto de vista cósmico. Algumas destas estrelas são tão grandes por comparação com o nosso sol e queimam tão rapidamente o seu combustível que durarão um ínfimo do tempo que este tem previsto durar (uns modestos dez mil milhões de anos).
À infinidade horizontal pode corresponder peculiar infinidade vertical. Como no filme Animal House de 1978 se diz: “então o nosso sistema solar pode ser apenas um átomo na unha de um gigante?”. Podemos ser apenas uma instância que aos olhos de um observador noutra escala se mexe muito rapidamente – tal como os átomos parecem fazê-lo à nossa escala. Podemos ser apenas um átomo numa molécula de dióxido de silício num copo de vidro que se está a estilhaçar por ter caído ao chão. Podemos ser ainda mais ridiculamente pequenos do que pensamos.
Esta crónica foi publicada originalmente no jornal Hoje Macau, tendo sido aqui reproduzida com a devida autorização.