Uma exposição que pensa a comunidade para a comunidade no Fórum Eugénio de Almeida

por Joana Leão,    16 Setembro, 2017
Uma exposição que pensa a comunidade para a comunidade no Fórum Eugénio de Almeida
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A exposição Boa Sorte com os vossos esforços naturais, combinados, atrativos e verdadeiros em duas exposições, inaugurou no passado dia 6 de maio, no Fórum Eugénio de Almeida em Évora, onde ficará patente até ao dia 15 de outubro. O projeto resulta de uma parceria com o CRAC Alsace – Centre Rhénan d’Art Contemporain em Altkirch, França, onde teve lugar a primeira exposição, em junho de 2015, que é agora apresentada sob uma nova forma. Esta é uma exposição em duas partes, tendo a segunda parte sido pensada nos últimos dois anos pelas curadoras e diretoras artísticas de ambas as instituições, Filipa Oliveira e Elfi Turpin.

Os artistas presentes nesta exposição baseiam as suas práticas artísticas em conceitos como a cooperação e o intercâmbio entre diferentes esferas, sejam estas sociais, económicas ou geográficas, trabalhando com, ou sobre a comunidade. Desta forma, através das suas obras, trazem esta análise para dentro do espaço de um Centro de Arte Contemporânea, tornando-o central no pensamento não só destas questões, mas do seu papel perante a comunidade em que se enquadra.

O  título parte do filósofo francês Charles Fourier, que refletia sobre a ideia de um “comércio verdadeiro e social”, e sobre a possibilidade de uma sociedade baseada em trocas e cooperação entre a  comunidade, construindo assim uma sociedade sem a influência de intercâmbios comerciais ou financeiros, tornando-se mais igualitária e verdadeira. Daí os esforços naturais, combinados, atrativos e verdadeiros. Esforços estes que configuram as obras reunidas nesta exposição, em que de alguma forma há sempre um intercâmbio de algo, muitas vezes não material, quer seja na produção artística ou no contacto com o espectador. Seja como for, nunca existe só uma única pessoa por trás da peça, os artistas acabam sempre por envolver mais alguém no seu trabalho. E no caso de Marinella Senatore, foram vinte e dois ‘grupos’ da cidade de Évora, que se uniram à artista para dar vida à performance Évora Procession, no dia em que a exposição inaugurou. Para esta parada, Senatore reuniu grupos organizados, associações e instituições que partilharam aquilo que fazem, desde o canto lírico, à música tradicional, ou do teatro de marionetas à ginástica acrobática, com toda a cidade. A artista pretende assim aproximar a comunidade, tornando-a um só corpo ao caminhar junta, acabando por levantar questões sobre a separação entre o papel do artista criador e do espectador, uma vez que nesta performance ambos se cruzam.

Tal como Senatore, o inglês Chris Evans também se envolveu com a comunidade local. Este tem vindo a criar jingles para instituições e exposições, e para esta criou uma peça áudio em conjunto com um lavrador local, José Prates. A este foram pedidos que reproduzisse vocalmente alguns sons de percussão gravados previamente, a montagem foi depois realizada, novamente em colaboração, com Morten Norbye Halvorsen. Este jingle é o primeiro som que ouvimos ao entrar na exposição, anunciando a nossa chegada e dando-nos as boas-vindas.

Ao subirmos as escadas reparamos que este espaço de passagem terá sido   modificado.  Nele encontramos um objeto, ou “módulo transformador do espaço”, que integra em si livros para serem retirados e lidos pelos visitantes. Desta forma, Nicolás Paris, transforma a escadaria em sala de leitura temporária, na qual somos levados a uma descoberta de práticas educativas alternativas, como a Black Mountain College. O papel educativo do museu é assim acentuado, um papel extremamente importante para este artista que apresenta também a peça Dispositivos para Diálogos Erráticos ou Ferramenta de Aprendizagem por Simpatia, na qual a obra de arte se torna num instrumento de aprendizagem. Este tanto se pode encontrar em exposição num museu, como ser aplicado numa sala de aula, enquanto ferramenta de ensino à escrita e leitura.

Chegando à primeira sala da exposição, deparamos-nos com 47 sinos de bronze pendurados em linha a partir do teto. Todos eles já foram um só, um único sino datado de 1742, cuja função seria dar as horas a uma determinada localidade. Quando este perdeu a sua função, o artista David Horvitz fundiu o seu metal, criando 47 pequenos sinos. O tempo é repartido, e a nossa forma de o medir repensada. Esta peça implicará também uma performance coletiva, sendo que estes sinos serão tocados por membros da comunidade ao meio-dia solar, mostrando mais uma vez que a nossa organização do tempo em horas é uma convenção.

A peça de António Contador e Carla Cruz surge numa ação diametralmente oposta à de David Horvitz. Esta parte do projeto Finding Money, que os dois artistas iniciaram em 2011, no qual procuravam e recolhiam objetos caídos no chão, especialmente moedas. Ao se aperceberem da quantidade de moedas de cêntimos que encontravam diariamente, começaram uma reflexão sobre o impacto que todas estas poderiam ter na economia global e nas implicações políticas e sociais que surgem na questão de perder e encontrar dinheiro. No Fórum Eugénio de Almeida podemos observar alguns diários produzidos ao longo deste projeto, e quatro fotografias que mostram moedas criadas a partir do metal derretido de todas aquelas que haviam encontrado na rua, num gesto quase alquímico.

Talvez uma das peças mais fortes da exposição seja Doris Criolla, de Amilcar Parker. O artista tem vindo a explorar questões pós-colonialistas, e como esta herança cultural continua presente nos nossos dias. Esta muitas vezes figura, semântica e visualmente, nos produtos que consumimos diariamente, apresentados por Parker nesta instalação, como os whiskys Negrita e Plantation.  A linguagem está também marcada por conotações colonialistas, tendo por vezes uma carga negativa. Este é um aspeto importante para o artista, que tem vindo a estudar a palavra crioulo, refletindo sobre as suas derivações e usos históricos e contextuais. Partindo da sua investigação sobre esta cultura, Amilcar Parker tem vindo a ativar a instalação através de sessões performativas onde são servidos aos visitantes pratos com base em receitas de cozinha crioula, sendo que Évora será a 17ª sessão. Nestas é criada uma plataforma para a reflexão das “implicações e potências destes termos enquanto ferramentas que tencionam a complexidade dos processos políticos, sociais, culturais, linguísticos e alimentares em contextos coloniais, racistas e escravistas”, segundo as curadoras.

Amilcar Parker, Doris Criolla. Diogo Caetano/CCA

Este momento de discussão, acaba também por ser um momento de celebração desta cultura, partilhando não só a sua gastronomia, como também a sua música e literatura. Na parede da sala do antigo Tribunal da Inquisição, que também suporta um negativo peso da história, podemos ainda observar um brasão com um tom crítico mais forte, formado por cana-de-açúcar, café, chocolate, e coca-cola, produtos de uma exploração “imperialista”.

Ao subirmos para o segundo piso, o foco da exposição recaí sobre questões sociais da vida em comunidade. Aqui encontramos peças que apontam para aspetos de uma vivência conjunta e que incentivam a interação, como em How to Make a Table Disappear de Rita Ponce de Léon. A artista que tem vindo a refletir “em como abrir possibilidades para encontros entre pessoas, entre pessoas e objetos e entre pessoas e espaço” e no que “deverá acontecer para que duas ou mais pessoas se envolvam num diálogo franco e ajustem as suas fronteiras”, cria uma instalação que vai de encontro a estas questões. O visitante é assim convidado a sentar-se à mesa com uma outra pessoa, e desenvolver um diálogo através de questões deixadas pela artista. Começando de forma vaga e impessoal com “o que é o espaço”, passamos por uma sequência de mesas em que o espaço que nos separa do outro diminuí, e as perguntas tornam-se mais íntimas, acabando com “Como imaginas a tua morte?”. O espaço museológico é transformado num espaço de troca, convivência e experimentação, algo também feito pelo artista Jarbas Lopes. Segundo Filipa Oliveira e Elfi Turpin este “é talvez o artista que, em toda a exposição, leva mais longe a ideia de colaboração e de modo mais utópico”. A sua peça foi desenvolvida num regime de residência artística, na qual Jarbas Lopes esteve durante uma semana no Fórum Eugénio de Almeida. Durante esse tempo envolveu-se com a comunidade escolar da cidade, que através de várias atividades que contrariam os pressupostos do que “não se pode fazer dentro de um museu”, como desenhar nas paredes ou deitar papéis para o chão, e libertando a criatividade, ato simbolizado através da destruição de gaiolas, que agora pertencem à peça, construíram a sala que observamos na exposição.

 

Rita Ponce de Léon, How to Make a Table Disappear. Diogo Caetano/CCA

Uma sala que reúne a energia do que ali se viveu, do contacto e do intercâmbio entre o artista e a população, que tal como Marinella Senatore questiona a tradicional separação entre o artista e o público, que aqui acaba por ter ténues fronteiras.

Boa sorte com os vossos esforços naturais, combinados, atrativos e verdadeiros em duas exposições, permite uma viagem reflexiva sobre a forma como nos relacionamos com o outro, foco temático do ciclo de exposições apresentado pelo Fórum Eugénio de Almeida. Não só esta exposição é atrativa de um ponto de vista estético, como dá lugar a diálogos fundamentais, não muito frequentemente abordados em instituições culturais.

 

Fotografia em destaque: Jarbas Lopes, Shouldibigood. Diogo Caetano/CCA

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