Uma viagem atribulada por ‘Savage Sinusoid’ de Igorrr

por João Horta,    23 Junho, 2017
Uma viagem atribulada por ‘Savage Sinusoid’ de Igorrr
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O imaginário de Igorrr é tão vasto como um deserto americano; habitá-lo deve ser certamente curioso. A mixórdia é sempre a mesma: o compositor francês passeia pelas sonoridades mais diversas, mistura-as, rompendo com tempos, abusando dos contratempos e ignorando melodias convencionais. Depois de ter lançado as anteriores produções de forma independente, “Savage Sinusoid” é agora editado pela Metal Blade Records.

O trabalho de Igorrr é muito inspirado pela música clássica e erudita, mas também pela esquizofrenia do breakcore e a energia do metal. “Nostril”, um dos seus álbuns anteriores, fora uma novidade, e roçava sonoridades, de certa forma, mais industriais e melódicas. Confirmou Igorrr entre um género que já tem um nome grande, de referência: Venitian Snares. Em 2012, “Hallelujah” delimitou melhor as fronteiras experimentais de Igorrr. Cinco anos depois, amadureceu a música que produz, criou a sua identidade, e isso está bem claro em “Savage Sinusoid”, pela proximidade sonora que assume em relação ao longa-duração editado em 2012. Um processo de evolução, progressivo e exponencial, resulta numa composição que atravessa todas as influências possíveis na música contemporânea, e não só.

O experimentalismo levado ao extremo, é isso que Igorrr faz. “Savage Sinusoid” é tão especial, que podia ser um daqueles hamburgers com tudo, e se houvesse género que o definisse seria qualquer coisa do tipo: gipsy-folk-gregorian-industrial-classical-death-metal-breakingbeat. Ao contrário da harmoniosa faixa introdutória de “Hallelujah”, “Viande” abre “Savage Sinusoid” aos berros, lançando-se para um mar revolto de compassos partidos ao meio, e um pedal duplo a pedinchar pela misericórdia do metal mais pesado. A segunda canção, “ieuD”, combina tenores sofridos com baterias abruptas e berros melancólicos. Bem-vindos à casa da bizarrearia máxima da música experimental.

Este disco consegue juntar, na mesma música, um acordeão calmamente afrancesado e uma linha de percussão esgrouviada, carregada de blast beat. E, não se ficando por aí, também os cenários de western fazem questão de entrar nas guitarradas de “Spaghetti Forever”. A versatilidade de Igorrr é tão assustadora, que por vezes, parece atravessar campos ridículos. Contudo, o que parece ser uma brincadeira com os sons, acaba por convergir num registo coeso.

O regresso às harmonias clássicas chega através de “Au Revoir”, faixa de despedida que interrompe a agitada “Robert”. São momentos de alguma paz, após termos escapado do epicentro de um tiroteio, onde os sons vão sendo disparados sem piedade, cruzando-se e desdobrando-se, sem respeitar as regras.

Este álbum assume um grau de epilepsia tal que não se recomenda para momentos relaxantes. É como uma viagem de montanha russa; são muitos os momentos atribulados que se vão intervalando por fracções de tensão. A versatilidade de Igorrr chega a ser confusa, as influências do autor francês misturam-se e sobrepõem-se. Aquilo que parece ser uma miscelânea de paisagens sonoras acaba por criar o seu próprio sentido, no seio de uma desorganização aparentemente caótica.

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