Uma visão geral das teorias da felicidade

por Linda Formiga,    21 Janeiro, 2018
Uma visão geral das teorias da felicidade
Chicago, EUA / Linda Formiga

Aqui há uns anos, o –  agora infame – Louis CK dizia, num talk show com o Conan O’Brien, que tudo é fantástico e ninguém está feliz.

A verdade é que – por mais meios que tenhamos à nossa disposição, por mais eventos culturais, por mais acesso à informação que tenhamos, por mais aparelhómetros que usemos, seja para medir os passos que damos para não morrermos de doenças cardiovasculares, seja de apps nos telemóveis para deixarmos de fumar, controlar as calorias e hidratos de carbono do que comemos e sucedâneos – nunca consumimos tantos antidepressivos e ansiolíticos como agora. Nunca a ansiedade e a depressão foram tão visíveis – embora seja também verdade que deixaram de ser patologias tão estigmatizadas e escondidas.

Têm surgido aqui e ali teorias sobre como ser feliz, sobre como, pelo menos, deixar de ser infeliz. A oferta é variada, o já conhecido hygge e o lykke dinamarqueses, o japonês ikigai, o lagom sueco, o mindfulness, o minimalismo e como viver uma vida com sentido dos Minimalists, a arte japonesa de arrumar e de aniquilar tralha da Marie Kondo, a arte subtil de dizer que se foda do Mark Manson, etc. Junta-se ainda as práticas de yoga, de meditação, de reverências ao sol e aos astros e a tudo o que mexe ou não. Não se pretende aqui privilegiar, ridicularizar ou depreciar qualquer um destes modos de vida – como praticante de yoga (embora a um nível não tão avançado como o desejado), sorvo com entusiasmo todas estas teorias, que apresento, ao de leve, de seguida.

Começando pelo hygge, ou o modo de vida dos dinamarqueses, agora na berra com o livro de Meik Wiking (que irá, aliás, lançar o Livro do Lykke nos próximos dias). Todos adoramos o mobiliário dinamarquês, a simplicidade, a iluminação. Todos esses factores, que trazem conforto e prazer, são a base do hygge. Se quisermos resumir ao máximo todo este conceito, poderemos dizer que o hygge é o prazer das pequenas coisas. Seja um mimo do nosso cão ou uma chávena de chocolate quente à lareira num dia de Inverno.

Do Japão surge o ikigai (生き甲斐), que, de uma forma mais simplificada possível, é o equilíbrio entre paixão, missão, profissão e vocação. Ao ter o equilíbrio destes quatro factores, alcançamos o ikigai e assim teremos satisfação, felicidade e missão nas nossas vidas.  Parece complicado? É, porque o ikigai abrange uma série de factores nas nossas vidas. Uma das “teorias” que os japoneses defendem para uma maior longevidade de vida é comermos 80% do que precisamos, porque ao comermos demasiado aceleramos a oxidação celular. Outro factor importante é o exercício físico e mental, evitar estar sentado durante longas horas e jogar xadrez (em pé, supomos). Mas o mais interessante neste modo de vida é o moai, que basicamente é um grupo de pessoas, informal, com interesses comuns e que cuidam uns dos outros, criando fundos monetários, para os quais todos os membros do grupo contribuem, para situações de emergência, dando assim um sentido de comunidade dentro da comunidade. O ikigai é um dos modos de vida mais interessantes pela sua abrangência, que não poderemos explanar aqui, mas existem livros bastante elucidativos para quem queira conhecer.

O minimalismo – que é algo semelhante à arte japonesa do arrumanço da Marie Kondo – ganhou um grande destaque com os Minimalists, dois ex-yuppies americanos que descobriram que se pode viver perfeitamente com menos. Um dos motivos que apresentam é o que já todos conhecemos – estamos a destruir o planeta com o consumo excessivo de plástico, roupas “descartáveis” e objectos supérfluos. E provam que sim, que podemos viver com 3 camisas e 2 calças, podemos ir buscar livros à biblioteca, podemos não ter 20 pares de sapatos de 10 euros e que se estragam ao final de 2 utilizações, mas ter 2 pares de sapatos um pouco mais caros e que nos dão para uma vida inteira. Porém, há toda uma indústria que nos faz acreditar que temos de ter o maior número de objectos possível para sermos felizes. Que temos de comprar aquele telemóvel porque é excepcional, mesmo custando o dobro da nossa renda de casa. E dois dias depois de termos o dito telemóvel, continuamos a ter a renda de casa para pagar e a felicidade momentânea de ter o bendito esfuma-se quando vemos o saldo da conta. Os Minimalists defendem várias coisas, algumas que me parecem exageradas, outras nem por isso, mas uma das mais importantes é que a pressão que sentimos para termos objectos é totalmente interna e que a felicidade, a verdadeira felicidade, vem de dentro, vem das coisas que não têm preço.

Saiu este mês, pela chancela das Edições Desassossego, o livro A arte subtil de saber dizer que se foda, de Mark Manson. Não é à toa que o deixo para último. No meio de toda esta felicidade, destes “saiba como ser feliz em 3 tempos” ou “o que fazer para ser feliz”, há uma quantidade impressionante de tretas. Há coisas que, pura e simplesmente, não são para nós. Podem ser para os nossos amigos, mas nós, como somos, não as encaramos como nossas, não as abraçamos com naturalidade. Há, no meu ponto de vista, uma certa pressão para sermos felizes – afinal de contas temos os manuais todos – mas a felicidade nunca teve, não tem nem terá manuais de instruções. Há coisas que nos fazem bem, outras não. E há que ter espaço para que, mesmo com a relação perfeita, a casa perfeita, o carro perfeito, possamos dizer que não estamos felizes. Há que ter espaço para reconhecer que sofremos de ansiedade e depressão e podemos estar bem à mesma. A dor faz parte do processo, escreve Mark Manson. Aceitar a dor, tratar a dor, reconhecer a dor, procurar ajuda sempre e quando a dor aparece é, realmente, o passo mais importante para a felicidade, mesmo não recaindo nos padrões ocidentalizados da felicidade (substituir por ansiedade/depressão/o que seja). Não há modelos de perfeição, há sim pessoas diferentes, níveis diferentes de felicidade, formas diferentes de ver a vida. O mundo não é perfeito. Ainda bem que não é.

Estes modos de vida não são a receita para a felicidade. Mas poderão levar-nos a “sítios” que nos interessem, abordagens que não conhecemos, curiosidades, modos de vida. Não precisamos de seguir modelos, comprar de repente todos os móveis dinamarqueses, comer só um niquinho para as células oxidantes não se cansarem ou deitar fora a colecção de livros d’Os Cinco que adoramos. Precisamos de aceitar as nossas falhas, questionarmo-nos, não cair em profecias catastrofistas nem insuflações egocêntricas. Precisamos de equilíbrio. Se um destes modos de vida ajudar, tanto melhor.

Como disse Albert Camus “Nunca serás feliz se continuares a procurar aquilo em que a felicidade consiste. Nunca viverás se estiveres à procura do sentido da vida”.

Livros:

O Livro do Hygge, de Meik Wiking, pela Zero a Oito
O Livro do Lykke, de Meik Wiking, pela Zero a Oito (lançado amanhã, dia 22 de Janeiro, na Bertrand do Chiado com a presença do autor)
Ikigai: Los secretos de Japón para una vida larga y feliz, de Hector García e Francesc Miralles (desconheço edição em português)
Minimalism: Living a Meaningful Life, dos The Minimalists documentário
The life-changing magic of tidying up, de Marie Kondo, pela Ten Speed Press (EUA) (desconheço a tradução desta obra específica em português)
A arte subtil de saber dizer que se foda, de Mark Manson, pela Desassossego

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