Umberto Eco, o académico sábio

por Lucas Brandão,    5 Janeiro, 2018
Umberto Eco, o académico sábio
Fotografia de Rob Bogaerts / Anefo
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Umberto Eco foi um daqueles homens que se pode designar como um polímata, isto é, como alguém é proficiente em mais do que uma área do saber. Se Leonardo da Vinci é o caso paradigmático dessa realidade no que toca à produção das formas, o seu compatriota Umberto foi no que toca à produção das palavras e dos encadeamentos destas em palavras. Autor de romances, crítico literário, filósofo e até semiótico, este homem das letras exemplifica também o esforço de congregação da arte com a estrutura académica e universitária proeminente nos nossos dias. O italiano, consolidado académico prestigiado, é, pela sua sensibilidade, nobreza e singeleza literárias e pensativas, motivo das mais variadas atenções.

O escritor, nascido em Alessandria, cidade situada em Piemonte (região norte de Itália ligada aos Alpes), recebeu uma educação salesiana, isto é, baseada nos valores da ordem religiosa italiana dos Salesianos. A sua formação estendeu-se à filosofia, formando-se na Universidade de Turim com uma tese sobre São Tomás de Aquino. Dois anos depois, em 1956, lançou o seu primeiro livro denominado “Il problema estetico in San Tommaso”, tratando-se duma extensão da tese supramencionada. Estes dois trabalhos foram os primeiros de muitos tanto em contexto académico como informal, lançando o autor numa perspetiva nacional e internacional que o fez tomar uma atitude de itinerância geográfica durante as décadas seguintes e que o fez granjear o prestígio que hoje detém.

Na perspetiva de estudos efetuados, Umberto Eco abordou várias temáticas, centrando-se na estética da Idade Média, na cultura dos media, na semiótica, na antropologia e na crítica literária. Foi na análise do tema da estética medieval que escreveu o seu segundo livro designado como “Sviluppo dell’estetica medievale” (1959), representando em português “O Desenvolvimento da Estética Medieval”. Nestes trabalhos, o escritor acentua que a estética era tomada como somente o belo e condena esta visão redutora, defendendo também que foi nesta época que a conceptualização proveniente dos tempos clássicos se partiu. De acordo com o autor, dá-se a cisão do esquema do que a beleza deveria constituir e a vida que, não sendo moldada pela arte, se expressa nas formas e intenções espontâneas.

Na crítica literária realizada, o italiano defendeu que os textos literários deveriam ser entendidos como campos de interligações dinâmicas e abertas de significados. Para além disso, distinguiu dois tipos de textos, em que os abertos se referiam à atividade social, mental e à vida e às suas movimentações e em que os fechados se fecham em linhas de entendimento singulares e inequívocas. O autor chega a estas conclusões não pelos convencionais caminhos de pensamento histórico-filosóficos mas pelo estudo da linguagem e da semiótica a si inerente. Estas questões versam na sua obra de 1962 de nome “Opera aperta”.

Na década de 60, o europeu derivou para os estudos dos media, da sua cultura e da quantidade de órgãos compositores dos mesmos. Embora não tenha escalado uma teoria sobre esta matéria, equacionou conceitos inovadores até então, influenciando a teorização das táticas de guerrilha contra a cultura assente nos conteúdos produzidos pelos media. Essas táticas inserem-se na noção de guerrilha semiótica e podem ser exemplificadas pela televisão guerrilheira (transmissão de conteúdos contra-culturais e a utilização de materiais não convencionais até então) e pelo culture jamming (práticas ativistas de forma a subverter a cultura mais mainstream). A crítica recai sobretudo para a influência excessiva dos media no raio de ação consciente dos cidadãos e para a semiótica subjacente aos conteúdos persuasivos geradores de deslumbramento para os espectadores. A necessidade de rompimento com esta perspetiva foi a ideia nuclear proveniente desta área.

Enquanto que, na antropologia, Umberto Eco desenvolveu redes transculturais e de congregação de conhecimento das culturas orientais e ocidentais, gerando plataformas de conhecimento e de comunhão de teorias, é na semiótica que o corpo de produção do autor se sustenta. Esta área do saber foi aprofundada pelo italiano nas suas investigações sobre os tempos medievais. À imagem de São Tomás de Aquino, também Santo Agostinho foi um filósofo da Idade Média e foi este que primeiramente abordou os signos. Eco bebe das suas ideias e ecoa o conceito de signo como algo que nos remete para uma dada mensagem, como a balança para a justiça ou a árvore para o ambiente como um todo. Esta acaba por se refletir em dois contextos principais, sendo eles o dos sinais palpáveis, latos e visíveis ao olho comum e o dos sinais invisíveis, imateriais e interpretados inconscientemente. É a semiótica que estabelece a ponte entre o significado e a sua expressão através da comunicação, sendo o apontamento de cada símbolo o que acaba por ser alvo de transmissão. A linguística, outrora um ramo da semiótica, é hoje uma ciência a si paralela pela partilha do campo de estudo e pela preponderância que vem adquirindo, especialmente através das ideias de Ferdinand de Saussure.

Na literatura, pela qual é maioritariamente conhecido numa perspetiva generalizada, Umberto Eco não descura os seus postulados filosóficos e toma até, como grande parte dos cenários, contextos analisados em teorias e artigos científicos da sua autoria. Com um peculiar apreço pela História, o transalpino não hesita em usar referências subtis e amiúde plurilinguísticas a elementos literários e históricos. Estes derivam dos signos criados pelas mais diversas gerações como forma de comunicação, dando origem aos primeiros alfabetos e a que muitos outros se estruturassem. Os enredos criados dispõem de uma densidade complexa que geram algumas reviravoltas inesperadas e até desnorteadoras para o comum leitor. Tendo como grandes influências literárias o irlandês James Joyce e o argentino Jorge Luis Borges, o escritor prima também pela interconexão textual que suscita tanto numa perspetiva analítica de todos os seus livros como em referências metatextuais através de comentários críticos a outras obras, especialmente às dos autores do seu apreço.

Os romances da sua autoria são:

  • O Nome da Rosa (1980)
  • O Pêndulo de Foucault (1988)
  • A Ilha do Dia Anterior (1994)
  • Baudolino (2000)
  • A Misteriosa Chama da Rainha Loana (2005)
  • O Cemitério de Praga (2010)
  • O Número Zero (2015)

Umberto Eco, homem das letras e das suas entrelinhas, foi um dos versáteis artistas que se assume como académico. Diretor da Escola Superior das Ciências Humanas da Universidade de Bolonha, o seu lastro profissional corresponde às diversas honras académicas que arrecadou e às imensas teorias que compôs. O autor assentou as suas ideias em crenças muito próprias e sustentou-as através da História que sempre acariciou criticamente. Formou-se filósofo, compôs-se pelos signos e conferiu-lhes sentido e fantasia nos romances da sua autoria. Não obstante o facto de a ficção e da razão pertencerem a mundos paralelos, o italiano foi-lhes perpendicular a partir da ambivalência dos seus estimados signos. Eco foi nem mais nem menos o Eco da realização do homem, a tal espécie que procura o abraço do pensamento com o sentimento. Lançando o mote para que o ecoemos, fica uma obra extensa e abrangente feita por uma tão significativa mente.

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