‘Unsane’: mais uma volta na montanha russa de Steven Soderbergh
A carreira de Steven Soderbergh tem sido uma autêntica montanha russa, sendo provavelmente um dos realizadores de topo com maiores altos e baixos.
Se olharmos para o inicio de carreira do realizador americano nem podemos de todo criticar: Sex, Lies, and Videotape (1989), King of the Hill (1993) e The Underneath (1995) foram relativamente bem recebidos, principalmente o primeiro, o que lhe valeu um grande reconhecimento nos Estados Unidos. Ainda que pelo meio tenha havido um Kafka (1991) bastante criticado, mas que é uma obra bastante interessante, principalmente do ponto de vista técnico.
Soderbergh sempre revelou uma grande capacidade de realização, principalmente na forma como mistura géneros e estilos. Não há na sua filmografia um filme exactamente igual a outro, todos seguem regras e leis próprias, mesmo dentro do próprio género, o que por vezes prejudica o trabalho do realizador.
De 2000 a 2001 Soderbergh criou três filmes que ficaram para a história do cinema moderno e que o elevaram ao patamar de topo no cinema mundial: Erin Brockovich (2000), Traffic (2000) e Ocean’s Eleven (2001). Três filmes distintos que cativaram pessoas distintas.
Agora, em 2018, e após a comédia negra a la Coen brothers (Logan Lucky), o realizador salta para um novo estilo na sua filmografia: o horror. Unsane é um filme sobre perspectivas. O que para uns é visto de uma forma, para outros é outra realidade completamente diferente. Este pequeno detalhe pode fazer a diferença entre uma pessoa sana e outra completamente insana. Qual é a diferença entre ambas? Segundo Soderbergh são apenas pequenos detalhes.
Sawyer (a brilhante Claire Foy da série The Crown) é involuntariamente submetida a uma instituição mental, onde vai encontrar pessoas mais insanas e outras mais menos sanas. O ponto principal na narrativa é o momento em que Sawyer encontra David Strine (Joshua Leonard), um lunático que a persegue há dois anos e em cidades diferentes. É neste momento que a realidade sana de Sawyer se cruza com a insana. Será este homem real? Estará ele mesmo aqui? Soderbergh conduz a narrativa (e a realização) de forma a fazer questionar o espectador sobre esta realidade. É brilhante a forma como o realizador introduz diversas personagens para criar confusão no espectador, mas também é brilhante a forma como filma e como o filme está montado, quase como se fosse um documentário. O uso deste estilo oferece-lhe um tom real, fazendo com que comecemos nós próprios a questionar o que é que estamos realmente a ver.
Já Claire Foy é claramente a estrela deste filme. A sua interpretação vai além de intensa e demonstra a versatilidade da actriz, assim como a sua profundidade dramática e capacidade de representar no extremo. Sawyer é uma personagem ambivalente, frágil e forte ao mesmo tempo, com garra para dar e vender. A construção dessa personagem parte do realizador e argumentista, mas também da própria actriz, que entrega assim um papel brilhante, um dos melhores de 2018.
Mas Joshua Leonard não fica atrás de Claire e interpreta aqui um maníaco obsessivo, tão real que nos deixa com medo de quantas pessoas poderão existir realmente assim por este mundo fora.
Pelo meio há ainda tempo para Juno Temple brilhar como Violet e de Soderbergh brincar com a montagem e todo o realismo de cada cena.
Unsane não é um filme brilhante, tem as suas falhas, principalmente na parte final, onde seria esperado um twist, ou alguma carga dramática mais profunda. A realização pode por vezes ser irritante e alguns personagens poderiam ter tido maior influência. No final de tudo fica um filme bastante interessante, com uma interpretação brilhante e um excelente exercício de horror/thriller, demonstrando que Soderbergh está aí para as curvas, desafiando-se a si próprio enquanto artista e criador.